[ABE-L] Editorial do Estadão

Francisco Cribari cribari em de.ufpe.br
Ter Jul 14 07:21:46 -03 2015


O Estado de São Paulo, 14 de julho de 2015 - *EDITORIAL*


*O desafio da universidade pública*


Ao assumir a reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o
professor Roberto Leher reclamou do corte das verbas orçamentárias
previstas para 2015, por causa do ajuste fiscal imposto pelo Ministério da
Fazenda. O reitor também acusou o governo federal de reduzir investimentos
no ensino superior público para financiar matrículas e bolsas das
instituições privadas, por meio do ProUni e do Fies.

Nas entrevistas que concedeu, Leher afirmou que, com o orçamento de que
dispõe, não terá como arcar com as dívidas acumuladas, concluir obras em
andamento e pagar serviços terceirizados, como limpeza, portaria, segurança
e manutenção de laboratórios. “A Universidade não sobreviverá com os
cortes”, afirmou, depois de lembrar que as universidades federais acertaram
com o MEC a expansão de suas atividades e a criação de novas unidades, não
tendo, porém, recebido maior contrapartida financeira pelo esforço. A
situação de penúria não é exclusiva da UFRJ. Das 64 universidades federais,
38 encontram-se em greve, pressionando o ministro da Educação a reivindicar
a reposição das verbas orçamentárias cortadas pelo governo.

Por trás desse problema, na realidade, está a discussão sobre o modelo de
financiamento da universidade pública no País. Ela foi suscitada em
seminário promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
em parceria com o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, para debater o impacto da inovação tecnológica
no aumento da produtividade da economia brasileira. No evento,
especialistas convidados apontaram alguns gargalos estruturais que impedem
o acesso do ensino superior público a fontes alternativas de financiamento,
como parcerias com empresas públicas ou privadas para o desenvolvimento de
novas tecnologias.

Eles lembraram, por exemplo, que nas melhores universidades públicas
americanas um docente está autorizado a fazer pesquisas para empresas
privadas durante três meses por ano. Em vigor desde 2004, a Lei da Inovação
autorizou os professores das universidades públicas brasileiras a fazer
pesquisas para empresas, o que antes não era permitido.

Mas uma lei de 2013, que regulamenta a carreira docente, limita esse tempo
a apenas cinco dias por semestre.

As universidades americanas também contam com uma agência de inovação, que
se responsabiliza pelo registro e venda das patentes – um processo que
costuma ser relativamente rápido. No Brasil, o reconhecimento de uma
patente demora de sete a oito anos. “Isso inviabiliza parcerias. A
universidade não existe para vender bens. É preciso transferir o
conhecimento para ganhar royalties. E o Brasil não consegue dar esse
passo”, afirma Fernanda de Nigri, diretora de Estudos e Políticas Setoriais
de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Ipea.

Apesar dos entraves burocráticos e das dificuldades legais, algumas
universidades públicas – como a USP, a Unicamp e a Unesp – têm conseguido
promover parcerias com a iniciativa privada. Em média, 6% de seus gastos
com pesquisa e desenvolvimento são financiados por parcerias. A partir das
inovações tecnológicas feitas em parcerias, a Unicamp já propiciou a
criação de 254 empresas, com 16 mil empregos e um faturamento anual de R$ 2
bilhões, lembra Sérgio Queiroz, do Departamento de Política Científica e
Tecnológica da instituição.

Para buscar mais fontes alternativas de financiamento, transferindo
conhecimento científico para empresas, como se discutiu no seminário do
Ipea, as universidades públicas precisam se modernizar. Acostumadas a
receber recursos governamentais independentemente de seu desempenho, elas
se encontram em estado letárgico, com burocracias inchadas e ineptas que
favorecem os interesses corporativos de seus integrantes em detrimento da
qualidade do ensino e da pesquisa. Com estruturas administrativas mais
flexíveis, metas claras e maior transparência na prestação de contas, seus
reitores não precisariam ficar reclamando de cortes orçamentários.
-------------- Próxima Parte ----------
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