[ABE-L] Uma reflexão

Francisco Cribari cribari em de.ufpe.br
Seg Jun 20 06:56:05 -03 2016


O Estado de São Paulo, 20 de junho de 2016

Pesquisa científica: luxo ou necessidade?

Jose Goldemberg

As discussões sobre a prioridade de investimentos em ciência e tecnologia
estão na ordem do dia não só no Brasil, como em outros países do mundo. Por
essa razão, a fusão do Ministério das Comunicações com o de Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), sob o comando de Gilberto Kassab, ex-prefeito
de São Paulo, provocou reações de cientistas e instituições que os
representam, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a
Academia Brasileira de Ciências.
Parte dessas reações tem um caráter corporativo, e elas devem ser tratadas
como tal. Há corporações em todos os setores da sociedade brasileira e
todas elas disputam a atenção do governo federal, acesso a verbas e até
privilégios. Por conseguinte, o que é preciso esclarecer, em primeiro
lugar, é se investimentos em ciência e tecnologia em países em
desenvolvimento como o Brasil são um luxo ou uma necessidade.
Nos países coloniais dos séculos 19 e 20, não fazia sentido investir em
ciência a não ser por razões culturais, como se fez com salas de concertos
e óperas. As necessidades locais eram atendidas importando produtos
industrializados dos países da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. As
grandes empresas multinacionais foram os veículos que desempenharam esse
papel.
À medida, porém, que as colônias começaram a crescer economicamente,
depender apenas de importações deixou de ser viável por razões políticas,
econômicas e técnicas.
Os movimentos de descolonização e libertação nacional se tornaram
irreversíveis após a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), criando a necessidade
de industrialização não só para gerar empregos.
Do ponto de vista técnico, havia a necessidade de adaptar as tecnologias às
condições locais, o que envolvia muito mais que sua “tropicalização”. Para
isso, foi indispensável criar uma elite local que entendesse a ciência e a
tecnologia modernas - desenvolvidas nos países industrializados - e que
pudesse escolher as melhores tecnologias adaptadas às condições locais.
Daí a necessidade de investimentos em educação, ciência e tecnologia, como
fez a Coreia do Sul, que, partindo de uma base puramente agrícola e
atrasada em 1950, se tornou um grande exportador de produtos
industrializados.
O Brasil também fez progressos, apesar de não ter conseguido repetir o
sucesso da Coreia do Sul. A industrialização do Brasil que ocorreu após a
2.ª Guerra Mundial trouxe para o País um parque industrial abrangente e
moderno, que permitiu torná-lo competitivo em várias áreas, como, por
exemplo, a de papel e celulose. Pesquisa científica e tecnologia locais
permitiram também o desenvolvimento do etanol da cana-de-açúcar, cuja
produtividade é excepcional por causa do clima local. Na área da saúde,
grandes progressos foram feitos.
O que conta mesmo são os recursos destinados ao desenvolvimento científico
e tecnológico, que envolvem grandes somas. É necessário investir uma fração
significativa do Produto Interno Bruto (PIB). Nos países da União Europeia,
aplica-se atualmente em média 1,84% do PIB, e a meta a atingir é de 3% do
PIB.
Já a Coreia do Sul investe hoje mais de 4% do PIB (cerca de US$ 50 bilhões
por ano). Logo abaixo vêm Israel e Japão. Os Estados Unidos investem menos
(em torno de 2,5%), mas seu PIB é tão alto que essa fração corresponde a
quase US$ 500 bilhões, o que explica sua liderança incontestável na área.
É por essa razão que o governo da França - que havia decidido reduzir seus
investimentos em ciência e tecnologia, em razão da difícil situação
econômica do país - desistiu desses cortes, reconhecendo que essa área é
prioritária em comparação com outras, que podem ter seus investimentos
adiados.
Sucede que o Brasil investe apenas em torno de 1,2% do seu PIB em
desenvolvimento científico e tecnológico, US$ 19 bilhões por ano. É
aproximadamente o mesmo que outros países emergentes, em alguns casos até
mais, como Índia (0,8%), Indonésia (0,2%), México (0,4%) e Argentina
(0,6%). Mas é muito pouco, se comparado ao que é investido nos países
líderes no mundo, como Estados Unidos e os da Europa, e menos do que alguns
nossos colegas do Brics, como China (1,9%) e Rússia (1,5%).
O apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico não é feito
necessariamente por ministérios. Nos Estados Unidos, cujo estabelecimento
científico-tecnológico é o mais robusto do mundo, não existe Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação. O apoio às atividades nesta área é feito
pela Fundação Nacional de Ciências, pelo Departamento de Energia e outros
(departamento é o nome dado aos ministérios naquele país), além de inúmeras
fundações privadas. No Japão, é o Ministério da Indústria o principal
financiador de atividades de ciência e tecnologia.
Não é, pois, a existência de um órgão burocrático exclusivo para a ciência
e tecnologia, como o MCTI do governo federal, que garante apoio às
atividades desta área. Mesmo no Brasil, essas atividades já foram exercidas
adequadamente por uma Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia, no
governo do presidente Collor, em 1990, a qual foi particularmente eficaz na
abertura ao acesso de computadores e à área de informática em geral.
Aumentar os dispêndios no Brasil não é fácil, a não ser que o PIB cresça. O
que não pode acontecer é interromper ou reduzir os recursos que se destinam
à ciência e tecnologia, porque são investimentos que só dão resultados no
longo prazo, como os investimentos em educação.
É por essa razão que eles precisam ser preservados mesmo em tempos de
crise. Discutir se eles serão canalizados via um Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação ou outro formato burocrático não é o problema central.
* É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E PRESIDENTE DA FAPESP
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