[ABE-L] Usos e abusos dos números

Denise Britz do Nascimento Silva denisebritz em gmail.com
Sex Dez 22 16:23:29 -03 2017


Alexandre  e Hedibert

é verdade que podemos diminuir a desigualdade sem reduzir a pobreza, ou
podemos manter a desigualdade mesmo ficando todos em pior situação
econômica.

Para contribuir no debate, peço que vejam o gráfico 4.8 da publicação
Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2016 - que compara o acesso dos
estudantes mais pobres ao ensino público superior ( que reproduzo abaixo).

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf

O gráfico indica que, ao considerar a distribuição do rendimento domiciliar
per capita de estudantes da rede pública de ensino superior,   a parcela
proveniente das famílias mais pobres aumentou ao longo de 10 anos,
fornecendo evidência de que a população de estudantes do ensino público
superior  é composta proporcionalmente de mais jovens de famílias com menos
recursos financeiros (que estão conseguindo alcançar o ensino superior
público) .

Ao mesmo tempo, o gráfico 6.3 indica uma leve tendência da renda domiciliar
per capita mediana (todos os valores corrigidos pela inflação para base
2015). Deve-se também reconhecer a queda de 2014 para 2015.
Adicionalmente,  o gráfico 6.4 indica que a parcela da população com
rendimento domiciliar per capita mais baixo diminui, se deslocando para
estratos de rendimento superiores adjacentes (mas também houve leve queda
nos estrato superior).

Acredito que, unindo as evidências, ainda  é possível concluir que, de 2005
a 2015, as famílias brasileiras não ficaram mais pobres, houve aumento real
de rendimento. Acho então que as famílias dos estudantes não ficaram mais
pobres, entretanto mais estudantes de famílias pobres alcançaram o ensino
superior, indicando  mudança de composição da população de estudantes do
ensino superior público.

Lembro que os dados referem-se à década 2005-2015.

Abraços e seguem os gráficos.
Denise


[image: Imagem inline 1]

[image: Imagem inline 2]

[image: Imagem inline 3]

Em 22 de dezembro de 2017 14:05, Alexandre Galvão Patriota <
patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:

> Parabéns ao Hedibert e a Tatiana pelo artigo.
>
> Sobre o último parágrafo:
>
> ``Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já
> temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.´´
>
> Corrijam-me se eu estiver errado, mas: se o percentual de estudantes com
> renda familiar entre [0,3] aumentou 27% e o percentual de estudantes com
> renda familiar entre [7,inf) diminuiu 37%, então podemos afirmar que em um
> certo sentido as famílias dos estudantes estão *mais* pobres. Não quero
> entrar nos detalhes filosóficos das teorias econômicas, mas me parece claro
> que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza.
>
>
>
> 2017-12-22 9:22 GMT-02:00 Hedibert Lopes <hedibert em gmail.com>:
>
>> Usos e abusos dos números
>> Por Hedibert Lopes e Tatiana Roque
>>
>> http://www.valor.com.br/opiniao/5235489/usos-e-abusos-dos-numeros
>>
>> A regressividade dos gastos com ensino superior público é apontada
>> frequentemente como justificativa para a cobrança de mensalidades. O
>> relatório recente do Banco Mundial afirma, por exemplo, que 65% dos
>> estudantes das universidades federais estão entre os 40% mais ricos. Quem
>> são esses "mais ricos"?
>>
>> Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 mostram
>> que nesse grupo de 40% "mais ricos" estão pessoas com renda per capita
>> média de R$ 960,00. O Banco Mundial não define a partir de que renda se
>> pode designar um grupo como o dos mais ricos, nem justifica o foco nos 40%.
>> Poderíamos selecionar os 30% mais ricos, que ganham acima de R$ 1.200,00;
>> ou os 20%, que ganham acima de R$ 1.700,00. A renda média desses grupos
>> difere pouco. De fato, a distância só aumenta quando selecionamos os 10%
>> mais ricos.
>>
>> Suponhamos que fossem cobradas mensalidades dos estudantes que realmente
>> têm condições de pagar, escalonadas de acordo com a renda. Usando os dados
>> da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
>> Superior (Andifes), verificamos que 81% dos estudantes vêm de famílias com
>> renda bruta familiar inferior a R$ 6.500,00, logo não poderiam pagar. Na
>> faixa de renda familiar bruta entre R$ 6.500,00 e R$ 9.300,00 estão 9% dos
>> estudantes (de um total de aproximadamente 1 milhão, somando-se todas as
>> universidades federais do país). Superestimando a capacidade de desembolso
>> em 15%, essas famílias pagariam uma mensalidade de R$ 1.200,00, perfazendo
>> R$ 1,3 bilhão no total. Já a faixa com renda familiar bruta acima de R$
>> 9.300,00 compreende 10% dos estudantes, mas é preciso analisar
>> detalhadamente a distribuição de renda nessa faixa.
>>
>> O estudo da desigualdade feito pela Oxfam mostra que, no topo da
>> população, reproduz-se a aberrante desigualdade brasileira: as famílias 10%
>> mais ricas têm rendimentos médios de R$ 18.000,00, sendo o rendimento médio
>> das famílias 1% mais ricas de R$ 160 mil. Logo, mantendo nossa estimativa
>> do valor da mensalidade em 15% da renda familiar, obtemos que 9% dos
>> estudantes pagariam R$ 2.700. Já os 1% mais ricos pagariam R$ 4 mil - o
>> valor da mensalidade nas melhores universidades privadas. Somando-se, ao
>> fim, todas as mensalidades possíveis, chegamos a um total de R$ 4,7
>> bilhões, ou seja, em torno de 11% do orçamento anual das universidades
>> federais (de R$ 41 bilhões). Devemos lembrar, contudo, que é necessário
>> subtrair desse percentual o custo de se verificar quem pode ou não pagar
>> (uma operação complexa), além do custo de administrar a cobrança. Na
>> verdade, implementar medidas para melhorar a administração da universidade
>> - o que não contradiz seu caráter público - poderia ser bem mais efetivo.
>>
>> Resumindo, cobrar mensalidades ajudaria pouco a enxugar o orçamento
>> público e o Banco Mundial parece ter forçado os números para nos convencer
>> do contrário. O cerne da disputa está nas faixas intermediárias, que nem
>> podem realmente pagar nem entram na categoria de pobres (para fazer jus a
>> bolsas). A solução ventilada para esse grupo de renda média é o crédito,
>> que já mostrou efeitos perversos nos EUA e na Inglaterra, levando a um
>> grave endividamento de estudantes - comprometendo o futuro de jovens que
>> sequer ingressaram no mercado de trabalho.
>>
>> Do ponto de vista matemático, o problema é que a curva de distribuição de
>> renda no Brasil é extremamente assimétrica (quase linear até o decil mais
>> alto), em nada semelhante a uma curva normal.
>>
>> Dito de modo menos técnico, as faixas de renda intermediárias dos
>> brasileiros são muito similares - e excessivamente baixas. Isso torna pouco
>> rigorosa a separação entre "mais ricos" e "mais pobres", sob o risco de
>> distinguir quem ganha R$ 960 por mês de quem ganha R$ 800. Só um critério
>> qualitativo pode estabelecer a partir de que renda alguém pode ser
>> considerado "não pobre".
>>
>> É positiva a tendência de analisar políticas públicas usando
>> estatísticas. Deve-se tomar cuidado, todavia, com a dissociação entre
>> informações quantitativas e qualitativas. A postura científica aconselha o
>> uso de estatísticas para confirmar ou refutar perguntas em aberto. Mas as
>> definições dos termos do problema, com impactos sociais significativos,
>> precisam levar em conta o ideal de sociedade que se quer construir.
>>
>> Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já
>> temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
>> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
>> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
>> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
>> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
>> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
>> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.
>>
>> Hedibert Lopes é professor titular de Estatística e Econometria do Insper
>> e foi Professor da Booth School of Business da Universidade de Chicago
>>
>> Tatiana Roque é professora do Instituto de Matemática da UFRJ e foi
>> presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ)
>>
>>
>>
>>
>>
>> _______________________________________________
>> abe mailing list
>> abe em lists.ime.usp.br
>> https://lists.ime.usp.br/listinfo/abe
>>
>>
>
>
> --
> Prof. Dr. Alexandre G. Patriota,
> Department of Statistics,
> Institute of Mathematics and Statistics,
> University of São Paulo, Brazil.
>
> _______________________________________________
> abe mailing list
> abe em lists.ime.usp.br
> https://lists.ime.usp.br/listinfo/abe
>
>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: <https://lists.ime.usp.br/archives/abe/attachments/20171222/b554afcd/attachment.html>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo não-texto foi limpo...
Nome: image.png
Tipo: image/png
Tamanho: 77775 bytes
Descrição: não disponível
URL: <https://lists.ime.usp.br/archives/abe/attachments/20171222/b554afcd/attachment.png>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo não-texto foi limpo...
Nome: image.png
Tipo: image/png
Tamanho: 67807 bytes
Descrição: não disponível
URL: <https://lists.ime.usp.br/archives/abe/attachments/20171222/b554afcd/attachment-0001.png>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo não-texto foi limpo...
Nome: image.png
Tipo: image/png
Tamanho: 72551 bytes
Descrição: não disponível
URL: <https://lists.ime.usp.br/archives/abe/attachments/20171222/b554afcd/attachment-0002.png>


Mais detalhes sobre a lista de discussão abe