[ABE-L] IBGE

Francisco Cribari cribari em de.ufpe.br
Qui Set 4 09:28:43 -03 2014


O ESTADO DE SÃO PAULO, 4 de setembro de 2014 - Editorial

IBGE à míngua

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a principal
instituição de pesquisa do País, responsável pela coleta dos dados que
ajudam na formulação de políticas públicas, de estratégias da iniciativa
privada e do planejamento orçamentário dos cidadãos. Por essa razão, é
inadmissível a decisão do governo federal de privar o IBGE das verbas
necessárias a seu pleno funcionamento. O corte para o ano que vem chegará a
73% do orçamento da entidade.
Já não é de hoje que esse instituto, cuja independência é essencial para
sua credibilidade, tem sofrido toda sorte de constrangimentos por parte do
governo petista - sempre preocupado em dissimular ou desmoralizar
estatísticas que possam desmentir o edulcorado discurso oficial.
Um exemplo desse esforço para minar o IBGE ocorreu em abril, quando a
direção do instituto anunciou a inopinada suspensão da divulgação dos
resultados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua), que mostra a situação do mercado de trabalho no
País. A publicação dos números deveria ocorrer no mês seguinte, maio, mas
foi adiada para janeiro de 2015 - portanto, depois das eleições
presidenciais.
Alegava a diretoria do IBGE que havia a necessidade de eliminar dúvidas
sobre alguns dados, por exigências legais. Essa desculpa foi considerada
inaceitável pelo corpo técnico da Diretoria de Pesquisa do IBGE - cuja
responsável, Marcia Quintslr, demitiu-se, recebendo a solidariedade de
gerentes e coordenadores da área.
A polêmica se explica quando se observa que a Pnad Contínua havia apontado
um desemprego médio de 7,1% em 2013 - bem acima do índice medido pela
Pesquisa Mensal de Emprego, que tem ficado em torno de 5% e é o número
usado na propaganda da presidente Dilma Rousseff em sua campanha à
reeleição.
A ingerência política é apenas parte de um processo de enfraquecimento do
IBGE - deixando o instituto à mercê dos interesses do governo. Os seguidos
cortes orçamentários já resultaram em diminuição de escopo e mesmo de
cancelamento de diversas pesquisas do instituto.
No começo deste ano, o governo já havia reduzido de R$ 214 milhões para R$
193 milhões as verbas do IBGE para pesquisas. Agora, o Ministério do
Planejamento decidiu que o orçamento do instituto para 2015, fixado em R$
766 milhões, será de apenas R$ 204 milhões. Com isso, serão adiados o Censo
Agropecuário e a Contagem da População, que custariam R$ 562 milhões e
seriam feitos nos dois próximos anos. Os prejuízos causados por essa
decisão são imensos.
O Censo Agropecuário pesquisa todas as propriedades rurais do País e
levanta a situação tanto de seus proprietários como dos empregados, além da
produção. Trata-se, portanto, de um instrumento essencial para o
planejamento do agronegócio e para o levantamento das necessidades do
setor, que tem liderado a economia do País nos últimos anos.
Já a Contagem da População, além de estimar o total de habitantes, mensura
movimentos migratórios e pesquisa os detalhes necessários para balizar o
cálculo da distribuição dos fundos de participação de Estados e municípios
em tributos federais. A possibilidade de distorção nos cálculos graças ao
contingenciamento é evidente.
A asfixia financeira do IBGE compromete profundamente a qualidade de seu
trabalho. Graças à crise, o quadro de funcionários do instituto é hoje
composto por mais de 40% de contratados por tempo determinado, que ganham
salários muito inferiores aos dos servidores efetivos. Essa situação levou
os funcionários do instituto a uma greve que durou mais de dois meses. Com
a paralisação, o levantamento dos dados para a Pesquisa Mensal de Emprego
ocorreu de forma apenas parcial, resultando em indicadores de consistência
duvidosa.
O enfraquecimento do IBGE interessa a autoridades que se empenham em negar
a realidade. Portanto, é imperativo impedir que esse importante órgão do
Estado se transforme em mera linha auxiliar de um partido ou de um governo.


-- 
Francisco Cribari-Neto, email: cribari em de.ufpe.br - "All theory, my friend,
is grey, but green is life's glad golden tree." --Goethe (Faust)
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