[ABE-L] Sobre lixo acadêmico

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Sex Jan 9 23:49:54 -03 2015


Meus caros redistas:
O primeiro artigo publicado na VEJA já foi uma agressão a nossa vida  
acadêmica.  Lutamos muito para chegar ao nível que hoje temos, já foi  
muito difícil e muito árduo.  O comentário pejorativo de muitos de  
nossos colegas é a justificativa que usam para a falta de  
produtividade própria.  Sobre o artigo da folha de São Paulo, chamar  
de lixo acadêmico o que se produz no Brasil me da sim um arrepio  
grande, pois a pessoa para definir algo tem de ter lido tudo, o que  
não é o caso com certeza!  Alguns artigos que meu irmão colocou na  
rede mostram que a maioria dos artigos publicados no mundo é inútil e  
talvez até lixo. Não é propriedade brasileira a produção de lixo.  Em  
nossa área, por exemplo, a quantidade de artigos com poucas citações  
ou autoexcitações é grande.

Vou evidentemente desconsiderar esses comentários terríveis que tenho  
visto por ai.  Gostaria de me dirigir aos pobres jovens acadêmicos que  
estão tentando fazer carreira acadêmica digna em nosso contexto.

Meu autor preferido é o Nelson Rodrigues e em um dos seus textos ele  
comenta sobre o inicio de sua carreira teatral.  Manuel Bandeira,  
crítico de um jornal, era um grande nome da intelectualidade  
brasileira.  Bandeira fez um elogio grande a uma das obras de Nelson  
que evidentemente ficou lisonjeado.  Claro que na próxima peça quis  
ouvir a avaliação do mestre maior e não teve a mesma recepção.  Depois  
de alguns trabalhos verificou que ele estava produzindo coisas  
dirigidas para aquele intelectual.  Tinha esquecido que o que deveria  
produzir devia refletir o que pensava para mostrar ao público o que  
havia em seu coração e em sua mente.  Hoje vejo que os nossos queridos  
pesquisadores escrevem objetivando as revistas famosas - que também  
publicam muito lixo – esquecendo o que na verdade pensam e fazem no  
dia-a-dia.  Percebi que também estávamos sofrendo disso no primeiro  
artigo que escrevi com o Josa depois de nossa volta do exterior.

Enviamos um artigo para o ISR – na época uma revista de prestígio –  
cujo editor era um grande cara, Bardorff-Nielsen.  Um ano depois  
escrevi para ele cobrando o resultado da avaliação de nosso trabalho.   
Pediu-me desculpas, pois tinha recebido um referato de um dos  
avaliadores dizendo que todos já sabiam daquilo.  Ele então questionou  
o avaliador e enviou para outros dois avaliadores.  Nosso artigo foi  
publicado com dois anos de atraso e recentemente verifiquei que na  
mesma época orientador e aluno de uma importante escola americana  
haviam publicado um artigo na mesma época com toda a notação igual a  
nossa e a maior parte de nosso material estava ali.  Tanto orientador  
como aluno são hoje as pessoas de mais destaque na área de amostragem.  
  Não fosse pelo editor, quem iria acreditar que os tupiniquins haviam  
feito primeiro.  Assim decidi que tudo que tivermos de novidade, e  
creio que tive MUITAS, devemos tentar sim numa boa revista e se vier  
com elogio, mas dizendo que não é para aquele fórum, publique rápido  
mesmo que seja no arxive. O problema do arxive é que não possui  
avaliadores e assim apenas pessoas muito interessadas fuçam ali, mesmo  
com nomes de tupiniquins.  Mas por favor, publiquem em revista de  
impacto razoável mesmo não sendo as de ponta.

Andei pelo mundo da ciência e conheci grandes brasileiros –  
Frotta-Pessoa para mim foi um dos grandes que mesmo VELHINHO me  
ensinou muito – pesquisadores de primeiro mundo.  Posso afirmar a  
vocês meus caros que escrever tudo que pensam e acreditam são o que  
faz de vocês verdadeiros cientistas.  Se for ruim alguém vai te  
questionar.  Se for bom, não espere de colegas elogios, pois não  
virão.  Mas escrevam, pois o trabalho mais árduo de um acadêmico é a  
escrita.  Acho ruim é ficarmos atrelados apenas à moda e ser  
participante apenas por resolver pequenos problemas técnicos.  Frotta  
me ensinou que as pessoas são divididas em dois grupos, os genuínos e  
os cretinos!  Faça sua escolha meu filho, o pedia para nós.

A academia americana hoje sofre muito com o fato de um tenure track  
estar com um longo prazo de 10 anos.  O indivíduo vira um escravo dos  
grandes nomes e quando chega ao final se não fez novidade não continua  
naquele departamento considerado de alto nível, mesmo quando possui  
muitas publicações em boas revistas.  Ali as pessoas olham é a  
contribuição real dos jovens em TT.  Imaginem alguém se matando para  
resolver pequenos problemas técnicos de pesquisas de titulares e  
quando chegam ao final do período não tenham publicado a novidade que  
poderia ter vindo do seu coração e da sua mente.  Vai ser jogado no  
lixo da concorrência por novo período de experimentação.  Já vimos  
isso acontecer!
Imaginem vocês que tenho três artigos em revistas da Scientific  
Research Publishing – scirp, vários na ENTROPY da MDPI, vários em GMR,  
e alguns na Clinics: As editoras mais criticadas pelo artigo da  
revista VEJA!  Estou  muito honrado em ser editor associado tanto da  
ENTROPY como da GMR.  As duas tem bom índice de impacto e seus  
editores são pessoas que conheço e respeito muito.  É claro que também  
ali pode haver papers ruins assim como na nature que vez por outra  
pede desculpas por publicações errôneas.  Um dos papers que enviamos  
para a BA, por exemplo, voltou com elogios à matemática, computação e  
pasmem ao inglês.  No entanto não era artigo de interesse no momento!   
Mandamos para OJS e fomos muito bem tratados ali.  Certa vez eu e um  
aluno chileno tivemos um paper aceito no annals of estatístics, depois  
de nossas correções reenviamos para o novo editor que nos disse que já  
não havia interesse no artigo.  Publicamos o artigo, uma parte no  
nonparametrics e outra no multivariate.  Um ano depois apareceu um  
artigo no annals com a nossa notação que nos proporcionou a extensão  
para os modelos multivariados. Certamente os autores não eram  
tupiniquins. Poderia contar muitas outras coisas para justificar  
minhas escolhas.  O artigo que publicamos na revista chilena estava  
aceito em uma ótima revista de Berkeley, no entanto apareceu a chance  
de homenagear a Pilar que foi uma de minhas alunas.  Achei que ela  
merecia um bom paper na revista em sua homenagem.  O pessoal da  
revista que havia aceitado nosso artigo não me perdoa até hoje.

Como sou muito velho tenho bastante história para contar.  Assim, meus  
caros, eu quero dar um conselho: escrevam tudo que acreditam e que  
gostam.  Envie para uma revista, que seus mentores acreditam ser o  
top. Depois que vier a negação, muitas vezes de caras que não leram o  
paper só o nome dos tupiniquins, verifique se convencem você da  
justiça do resultado. Caso se não concordem publiquem o mais rápido  
possível em outra revista não tão badalada.  Não me arrependo de ter  
feito isso em minha vida.   Meus índices de produtividade são dos  
melhores dentre as pessoas de minha área.  É claro que sempre haverá  
uma explicação com desmerecimento, mas o que vale é o que está gravado  
ali no CNPq, no Google ou no researchgate.

Sobre o pagamento para publicação posso afirmar que mesmo boas  
revistas custam mesmo muito caro.  Na minha última publicação do  
PlosOne foi minha vez de pagar dentre os membros do grupo.  1600  
dolares foi o que me cobraram!  As revistas BMC (bioinformatics,  
genetics etc) também são muito caras.  Mas eu reclamos muito e algumas  
delas como a bioinformatics me livrou de pagamento.  Na genetics  
consegui redução de 50%.  Já nessas outras menos badaladas eu não pago  
nas que sou editor associado e na clinicas eu Tb não tenho despesas.   
Nosso ultimo paper na scirp me descontaram 75% e paguei 300 dólares o  
que não é lá muito ruim.  Com outros paguei 500 dólares o que me  
pareceu tb bem razoável.  Mas eu choro e digo que não tenho condições  
de pagar o que querem.  Todos em Open Access!

Aceito sim críticas sobre lixo que eu possa ter produzido, mas para  
críticas sobre a beleza da revista e não do artigo nem precisam se  
dirigir a mim.  Críticas inúteis e com desmerecimento!  Em um dos  
artigos do ano passado, uma aluna do Butantan depois de voltar para  
sua terra natal, com a pressão para publicação viu uma revista da  
editora Green Journals e mandou o artigo, que posso dizer lindo. O  
artigo foi publicado e a revista até a poucos meses tinha apenas o  
nosso artigo e não foi para frente.  Tenho dois artigos maravilhosos,  
em minha opinião é claro, em que as revistas desapareceram.  São dois  
artigos muito citados por gente muito boa.  Um na revista brasileira  
de genética e outro na JRSS C – the statistician. Os dois artigos são  
muito requisitados, pois são muito bons.

All I have written was under my skin!!!!!!  I am proud of my little  
and unimportant papers!  Thats all I have to offer from the botton of  
my heart!

Saudações
Carlinhos

-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





Mais detalhes sobre a lista de discussão abe