[ABE-L] Editorial do Estadão

Francisco Cribari cribari em de.ufpe.br
Sex Set 25 09:42:37 -03 2015


O Estado de São Paulo, 25 de setembro de 2015 - EDITORIAL


*O fim do Ciência sem Fronteiras *

Lançado há quatro anos como uma das principais iniciativas do primeiro
governo da presidente Dilma Rousseff no campo da educação e usado como
bandeira eleitoral na campanha pela reeleição, o programa Ciência sem
Fronteiras está chegando a um final melancólico.

Embora afirmem que ele não será encerrado, as autoridades educacionais
admitiram publicamente que a oferta de novas vagas está suspensa por falta
de verbas. As bolsas dos alunos que estão no exterior continuarão sendo
pagas, mas as dos estudantes que haviam sido selecionados serão canceladas.
A suspensão foi anunciada por um assessor do Ministério da Educação durante
sabatina no Comitê para os Direitos da Criança da Organização das Nações
Unidas.

Concebido mais como instrumento de marketing do que como uma política
destinada a acelerar a internacionalização do ensino superior, o Ciência
sem Fronteiras apresentou problemas desde que foi lançado. Em vez de
selecionar alunos de áreas técnicas em que o Brasil carece de
especialistas, especialmente no campo das ciências exatas e biomédicas, o
programa financiou indiscriminadamente estudantes de quase todas as áreas
do conhecimento – inclusive publicidade e comunicações.

Por falta de critérios, de objetivos e de metas, o programa também concedeu
indiscriminadamente bolsas de graduação, de mestrado, de doutorado, de
especialização e de pós-doutorado, sem prever mecanismos de avaliação de
desempenho dos bolsistas. Houve até quem ganhou bolsa para passar um ano
nos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá sem ter sido submetido a um teste
de fluência em língua inglesa. Por não conhecer o idioma, vários bolsistas
não conseguiram acompanhar as aulas e retornaram ao Brasil sem aperfeiçoar
sua formação intelectual.

Ao ser lançado, em 2011, o Ciência sem Fronteiras previa a concessão de 101
mil bolsas de estudo no exterior, das quais 75 mil seriam financiadas pela
União e 26 mil custeadas pela iniciativa privada. Quando tomaram
consciência de que o programa não tinha prioridades bem definidas, bancos e
empresas tentaram estabelecer critérios objetivos para a seleção dos
estudantes cujos estudos financiariam. Mas, alegando que elas estavam
usando o programa para financiar mão de obra de que necessitam, as
autoridades educacionais rejeitaram esses critérios e impuseram outros. As
empresas cancelaram o patrocínio.

A inépcia administrativa também se converteu numa das marcas do Ciência sem
Fronteiras. Muitos bolsistas viajaram para o exterior só com a passagem de
ida e tiveram dificuldades para se instalar nas cidades que escolheram. Por
causa dos atrasos no depósito das bolsas, estudantes ficaram sem recursos
para pagar aluguel, alimentação, transporte e plano de saúde. Universidades
estrangeiras reclamaram dos atrasos do repasse das verbas para gastos com
matrículas, mensalidades e atividades acadêmicas – a ponto de faculdades
canadenses de engenharia se recusarem a acolher bolsistas brasileiros. Por
excesso de burocracia e de um extenso rol de requisitos estapafúrdios –
como a exigência de que as escolas estrangeiras tivessem a mesma carga
horária, o mesmo programa das mesmas disciplinas e dos mesmos currículos
das escolas brasileiras, além de traduções juramentadas de documentos
expedidos por consulados –, os estudantes brasileiros enfrentaram
dificuldades para revalidar diplomas emitidos no exterior.

A criação de um programa destinado a reduzir a distância entre as
universidades brasileiras e as mais prestigiosas universidades estrangeiras
foi recebida como uma boa ideia pela comunidade acadêmica. Mas, da forma
desastrosa com que foi implementado e com resultados pífios que produziu,
ele representou um desperdício bilionário de recursos escassos. Só em seus
primeiros quatro anos, ele consumiu R$ 6,4 bilhões – cerca de 20% do que o
governo quer arrecadar anualmente com o restabelecimento da CPMF. O anúncio
da suspensão das bolsas do Ciência sem Fronteiras é, na verdade, um
epitáfio.
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