[ABE-L] Um tiro que sai pela culatra -=?ISO-8859-1?Q?_Estad=E3o?=, 21/08/2016
Dani Gamerman
dani em im.ufrj.br
Seg Ago 22 14:26:07 -03 2016
Estadão - Um tiro que sai pela culatra
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita o aumento dos gastos
públicos à inflação do ano anterior tem despertado questionamentos
importantes, principalmente da parte de analistas que se dizem preocupados em
preservar os gastos públicos em educação e saúde. Segundo estes analistas,
como as despesas com Previdência e assistência social vão crescer acima da
inflação e o aumento do total de gastos não poderá ultrapassar a inflação do
ano anterior, algum outro componente da estrutura de gastos públicos terá de
ajustar-se para que a regra não seja descumprida. E os candidatos mais claros
são saúde e educação.
José Márcio Camargo*
Essas preocupações são bastante relevantes na medida em que educação e saúde
deveriam ser as principais prioridades de qualquer país de renda média, como
o Brasil, que pretenda se tornar um país de renda elevada no futuro. Mas elas
partem da premissa de que é inexorável que os gastos com aposentadorias e
pensões cresçam acima da inflação do ano anterior. Porém, a evolução desses
gastos depende da manutenção ou não das regras hoje vigentes no sistema
previdenciário e assistencial do País, o que, como veremos, é insustentável.
Nosso sistema de aposentadorias e pensões é extremamente generoso, se
comparado ao de outros países. O Brasil gasta hoje 13% do PIB com
aposentadorias e pensões de inativos do setor público e do setor privado e
tem aproximadamente 7% de sua população com mais de 65 anos de idade. Países
que gastam esse montante do PIB com assistência e Previdência Social
(Alemanha, por exemplo) têm uma porcentagem muito maior da população com mais
de 65 anos (mais de 20%, no caso da Alemanha).
O Brasil é um claro "outlier", ou seja, fora do normal, neste quesito. É um
dos pouco países que não têm uma idade mínima para se aposentar. Em média, a
idade em que as pessoas se aposentam no Brasil é 55 anos, ou seja, no auge da
capacidade de trabalho. Hoje, 41,5% das despesas do orçamento público federal
se destinam a pagar aposentadorias e pensões. E o pior é que, como a
expectativa de vida da população está aumentando, mantidas as regras atuais,
a tendência ao aumento do gasto é inexorável. Com inflação de 4,5% ao ano, os
gastos com Previdência e assistência social aumentariam 9,8% ao ano. Se nada
for feito e se todos os outros itens do Orçamento forem reajustados pela
inflação, daqui a 20 anos os gastos com Previdência e assistência atingirão
64% do total de gastos do governo federal.
Por outro lado, caso a PEC seja aprovada, sem reforma do sistema de
aposentadorias e pensões, em 20 anos todo o gasto do governo federal terá de
ser destinado a pagar estes benefícios. Isso mostra que apenas aprovar a PEC
não é uma proposta viável. Será necessário aprovar também uma mudança
abrangente nas regras da Previdência e assistência social. Por outro lado, a
não aprovação da PEC não resolverá o problema, apenas adiaria o dia da
verdade. Seria como dar morfina a um doente em estado quase terminal. Diminui
as dores no curto prazo, mas enfraquece ainda mais o doente no longo prazo. É
fundamental intervir para curar a doença, ainda que o tratamento seja
doloroso.
A excessiva benevolência do sistema de Previdência e assistência social
brasileiro terá de ser atacada mais cedo ou mais tarde. E, quanto mais cedo,
menos doloroso será o tratamento. A maior virtude da PEC que limita o
crescimento dos gastos é exatamente explicitar esse fato, na medida em que
mostra que o sistema previdenciário é insustentável. Com isso, espera-se que
todos os cidadãos efetivamente interessados em preservar os gastos com saúde
e educação se mobilizem em prol da aprovação de uma reforma que torne o
sistema de aposentadorias e pensões sustentável. Não aprovar esta PEC com o
argumento de que, com ela, os gastos com educação e saúde teriam de ser
reduzidos, seria um tiro que sai pela culatra.
* José Márcio Camargo é professor titular do Departamento de Economia da
PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos
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Dani Gamerman
Depto. de Métodos Estatísticos (DME)
Lab. de Sistemas Estocásticos (LSE)
Instituto de Matemática - UFRJ
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