[ABE-L] Reflexão lúcida

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Ter Out 18 00:02:36 -03 2016


Como sempre nosso colega mandou bem na sua avaliação dos resultados das urnas.
Vejam aqui

http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,o-que-as-urnas-revelaram-sobre-o-pt-no-abc-paulista,10000082461


O que as urnas revelaram sobre o PT no ABC paulista. Na visão do  
sociólogo José de Souza Martins,
o PT se tornou mais um partido entre os outros em seu próprio berço
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José de Souza Martins,
O Estado de S. Paulo

15 Outubro 2016 | 21h21


Em face dos resultados das recentes eleições municipais, as oposições  
ao PT caíram na enganosa euforia de considerar que o partido foi  
aniquilado pelas centenas de prefeituras que perdeu no País inteiro.  
Do lado do PT, os equívocos não foram menores. O partido continuou a  
considerar o PSDB, mais que seu adversário, seu inimigo e grande  
responsável por sua derrota. Deixou de analisar o cenário político  
profundamente transformado desde a posse de Luiz Inácio na Presidência  
da República, em 2003.

Para compreender essas eleições, tomo como referência o ABC, que é o  
lugar emblemático do surgimento e afirmação do PT. Se examinarmos em  
detalhe a presença do Partido na governança dos sete municípios que o  
compõem, veremos que a região nunca foi propriamente petista. Chegou  
ao poder municipal não raro em disputas apertadas com outros partidos,  
como o PPS, o PV, o PSDB, o PTB, o PMDB, o PSB. Desde 2000, o  
eleitorado do ABC tende a dispersar-se em vez de concentrar-se em um  
ou dois partidos.

Ali, o declínio do PT se deve mais a fatores sociais, econômicos e  
geracionais do que a fatores ideológicos. Ao longo da ferrovia, uma  
sucessão de galpões industriais em ruínas e terrenos vazios de  
indústrias que foram demolidas documenta as transformações econômicas  
regionais. Em São Caetano e Santo André, imensos terrenos de grandes  
indústrias ou estão vazios ou foram ocupados por edifícios de  
apartamentos ou comerciais. A indústria se foi e os empregos  
industriais também. Em Santo André, o número de trabalhadores da  
indústria, desde 1970, caiu quase metade, reduzido a apenas um terço  
da população economicamente ativa. Em graus variáveis, isso ocorreu em  
todo o ABC, que se transformou numa região estritamente urbana, com  
significativa melhora nos índices de escolaridade, saúde e renda.
O ABC é hoje muito menos operário do que era na época das grandes  
assembleias do Estádio da Vila Euclides, onde Lula inflamava multidões  
nas greves de metalúrgicos de São Bernardo. Muitas indústrias se  
transferiram para outras regiões para lucrar com a elevação da renda  
da terra urbana e a venda de terrenos caros para compra de terrenos  
baratos em outros lugares. Produzir neles rendia menos do que  
especular com eles. Em boa parte, o PT foi derrotado pela renda da  
terra urbana. O decorrente deslocamento espacial da indústria, mas  
também a reestruturação produtiva das que ficaram na região, induzida  
pelo progresso tecnológico, foram fatores decisivos para o  
encolhimento do caráter operário do ABC e da base social do partido.

O ABC é hoje uma região de classe média afluente. Entre 2000 e 2010, o  
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede o incremento na  
renda, na educação e na longevidade (e na saúde), permaneceu muito  
alto em São Caetano do Sul, passou de alto para muito alto em Santo  
André e São Bernardo, e passou para alto nos outros quatro municípios.  
O discurso petista sobre os pobres e a pobreza perdeu eficácia no ABC.  
Unicamente Rio Grande da Serra tem 9% de pobres e muito pobres. Nos  
três municípios mais ricos e com maior eleitorado, caem para cerca de  
5%, sendo que em São Caetano são pouco mais de meio por cento. Se o  
nível de vida de São Caetano, o mais alto IDH do Brasil, um município  
não petista, é um indicador da tendência pode-se prever que também nos  
outros municípios o comportamento político irá, como está indo, em  
sentido adverso ao PT. Portanto, estas eleições apenas confirmaram o  
que é natural em casos assim: nova geração chega ao cenário político,  
baseada em nova realidade social e apoiada em nova e diferente  
compreensão dos fatos. O PT se tornou ali apenas um partido entre  
outros, que lhe estavam no encalço há 20 anos e que o venceram nas  
eleições de agora.
Se, por um lado, a derrota do PT na região do ABC não se explica pelos  
precários parâmetros de compreensão do processo político que o partido  
adota, tampouco explica o elenco de vitórias em pequenos municípios  
espalhados pelo Brasil. É o caso dos Estados do Sul, especialmente o  
Rio Grande, e é o caso de Estados do Nordeste, especialmente Piauí,  
Bahia e Ceará e, no Sudeste, o caso de Minas Gerais. Foi neles onde o  
PT, apesar da derrota geral, conseguiu um número não desprezível de  
vitórias. Nessas localidades, a vitória eleitoral foi a derrota  
ideológica do partido. No conjunto, comparando os resultados do ABC  
com os dessas regiões, o que se pode concluir é que foi derrotado o PT  
da luta de classes. Em compensação, saiu de algum modo vitorioso o PT  
das concepções comunitárias, onde não se pode deixar de ver o efeito  
residual da ação pastoral da Igreja.

As eleições municipais apontam uma diversificação dos partidos  
propriamente nacionais, aqueles que têm eleitorado eficaz em todo o  
País. Além de partidos hegemônicos óbvios, como PMDB e PSDB, chama a  
atenção o crescimento da importância de partidos da faixa média dos  
resultados, como o PSB, o PPS, o PDS, o PRB, ligado a uma igreja  
evangélica. Venceu a pluralidade ideológica.
-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





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