[ABE-L] Usos e abusos dos números

Hedibert Lopes hedibert em gmail.com
Sáb Dez 23 23:25:21 -03 2017


Queridos Denise, Alexandre, Elias, Basilio e demais,

Obrigados por dividir suas visões e/ou questionamentos.  Esse é um tema que tem me interessado muito (educação, desigualdade, cotas) particularmente nesse momento em que parece que todos viraram especialistas em estatística.   Tem muitas interpretações estapafúrdias nesse e em muitos outros temas e é nosso dever tentar esclarecer, colocar os pingos nos is.

Abraços a todos,
Hedibert 

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> On Dec 22, 2017, at 6:51 PM, Denise Britz do Nascimento Silva <denisebritz em gmail.com> wrote:
> 
> Alexandre
> 
> acredito sim que os efeitos seriam bons . 
> 
> Coloquei os gráficos escolhidos para a análise dos dados porque estávamos tratando do ensino superior.  
> 
> Acho também que é necessário melhorar a qualidade e acesso ao ensino público em todos os níveis (fundamental, médio e superior). 
> 
> Acredito que os esforços devem ser concomitantes caso contrário uma geração de jovens que atualmente conclui o ensino médio em escolas públicas  (e deseja seguir o ensino superior) continuará sem oportunidades nesta corrida de obstáculos. Entendo que a cota é um instrumento para promover equidade . Muitos discordam da minha opinião. 
> E assim... vamos construindo um debate na busca de um caminho para um país melhor.
> 
> Mas..agora...reconheço ... já falo da minha opinião e não da análise informada dos dados...que era o foco inicial das mensagens.
> 
> Abraços
> Denise
> 
> 
> 
> Em 22 de dezembro de 2017 17:23, Alexandre Galvão Patriota <patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:
>> Oi Elias ,
>> 
>> "me parece claro que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza." Nessa frase, "diminuir a desigualdade" significa apenas diminuir a lacuna entre o mínimo e o máximo. A principio, isso não tem nada a ver com manter a média fixa. Ilustro abaixo dois casos.
>> 
>> Distribuição de renda (caso com baixa desigualdade):
>> B: --[--]--------------------------
>> 
>> Distribuição de renda (caso com alta desigualdade):
>> A: ----------------[-------------]--
>> 
>> Claro que tem todos os outros casos que não foram citados (alta desigualdade e muitos pobres, baixa desigualdade e poucos pobres). Há politicas econômicas cujo objetivo principal é diminuir a desigualdade punindo os mais ricos (proposta por neo-marxistas como Piketty, por exemplo). Há políticas econômicas que se preocupam em diminuir a pobreza pouco se importando com a desigualdade (proposta por economistas austríacos e outros), e assim por diante.
>> 
>> 
>> Denise,
>> 
>> Muito interessante os gráficos. 
>> 
>> Seria interessante ver o que aconteceria na renda familiar das pessoas mais pobres, se o Estado aumentasse significativamente a qualidade do ensino básico (fundamental e médio). Por exemplo, professores com bacharelado na área, algumas poucas disciplinas da pedagogia (e não o inverso como é feito hoje) e um bom mestrado, como a Finlândia faz. Os dados do ENADE mostram claramente que os alunos de licenciatura em matemática sabem menos sobre a matéria do que os alunos de bacharelado. Talvez o problema realmente esteja no ensino superior, mas não do jeito que muitos estão pensando...
>> 
>> 
>> 2017-12-22 16:23 GMT-02:00 Denise Britz do Nascimento Silva <denisebritz em gmail.com>:
>>> Alexandre  e Hedibert
>>> 
>>> é verdade que podemos diminuir a desigualdade sem reduzir a pobreza, ou podemos manter a desigualdade mesmo ficando todos em pior situação econômica.
>>>   
>>> Para contribuir no debate, peço que vejam o gráfico 4.8 da publicação Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2016 - que compara o acesso dos estudantes mais pobres ao ensino público superior ( que reproduzo abaixo).
>>> 
>>> https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
>>> 
>>> O gráfico indica que, ao considerar a distribuição do rendimento domiciliar per capita de estudantes da rede pública de ensino superior,   a parcela proveniente das famílias mais pobres aumentou ao longo de 10 anos, fornecendo evidência de que a população de estudantes do ensino público superior  é composta proporcionalmente de mais jovens de famílias com menos recursos financeiros (que estão conseguindo alcançar o ensino superior público) . 
>>> 
>>> Ao mesmo tempo, o gráfico 6.3 indica uma leve tendência da renda domiciliar per capita mediana (todos os valores corrigidos pela inflação para base 2015). Deve-se também reconhecer a queda de 2014 para 2015. Adicionalmente,  o gráfico 6.4 indica que a parcela da população com rendimento domiciliar per capita mais baixo diminui, se deslocando para estratos de rendimento superiores adjacentes (mas também houve leve queda nos estrato superior). 
>>> 
>>> Acredito que, unindo as evidências, ainda  é possível concluir que, de 2005 a 2015, as famílias brasileiras não ficaram mais pobres, houve aumento real de rendimento. Acho então que as famílias dos estudantes não ficaram mais pobres, entretanto mais estudantes de famílias pobres alcançaram o ensino superior, indicando  mudança de composição da população de estudantes do ensino superior público.
>>> 
>>> Lembro que os dados referem-se à década 2005-2015.
>>> 
>>> Abraços e seguem os gráficos.
>>> Denise
>>>  
>>> 
>>> 
>>> 
>>> 
>>> 
>>> 
>>> 
>>> Em 22 de dezembro de 2017 14:05, Alexandre Galvão Patriota <patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:
>>>> Parabéns ao Hedibert e a Tatiana pelo artigo.
>>>> 
>>>> Sobre o último parágrafo:
>>>> 
>>>> ``Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.´´
>>>> 
>>>> Corrijam-me se eu estiver errado, mas: se o percentual de estudantes com renda familiar entre [0,3] aumentou 27% e o percentual de estudantes com renda familiar entre [7,inf) diminuiu 37%, então podemos afirmar que em um certo sentido as famílias dos estudantes estão mais pobres. Não quero entrar nos detalhes filosóficos das teorias econômicas, mas me parece claro que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza.
>>>> 
>>>> 
>>>> 
>>>> 2017-12-22 9:22 GMT-02:00 Hedibert Lopes <hedibert em gmail.com>:
>>>>> Usos e abusos dos números
>>>>> Por Hedibert Lopes e Tatiana Roque
>>>>> 
>>>>> http://www.valor.com.br/opiniao/5235489/usos-e-abusos-dos-numeros
>>>>> 
>>>>> A regressividade dos gastos com ensino superior público é apontada frequentemente como justificativa para a cobrança de mensalidades. O relatório recente do Banco Mundial afirma, por exemplo, que 65% dos estudantes das universidades federais estão entre os 40% mais ricos. Quem são esses "mais ricos"?
>>>>> 
>>>>> Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 mostram que nesse grupo de 40% "mais ricos" estão pessoas com renda per capita média de R$ 960,00. O Banco Mundial não define a partir de que renda se pode designar um grupo como o dos mais ricos, nem justifica o foco nos 40%. Poderíamos selecionar os 30% mais ricos, que ganham acima de R$ 1.200,00; ou os 20%, que ganham acima de R$ 1.700,00. A renda média desses grupos difere pouco. De fato, a distância só aumenta quando selecionamos os 10% mais ricos.
>>>>> 
>>>>> Suponhamos que fossem cobradas mensalidades dos estudantes que realmente têm condições de pagar, escalonadas de acordo com a renda. Usando os dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), verificamos que 81% dos estudantes vêm de famílias com renda bruta familiar inferior a R$ 6.500,00, logo não poderiam pagar. Na faixa de renda familiar bruta entre R$ 6.500,00 e R$ 9.300,00 estão 9% dos estudantes (de um total de aproximadamente 1 milhão, somando-se todas as universidades federais do país). Superestimando a capacidade de desembolso em 15%, essas famílias pagariam uma mensalidade de R$ 1.200,00, perfazendo R$ 1,3 bilhão no total. Já a faixa com renda familiar bruta acima de R$ 9.300,00 compreende 10% dos estudantes, mas é preciso analisar detalhadamente a distribuição de renda nessa faixa.
>>>>> 
>>>>> O estudo da desigualdade feito pela Oxfam mostra que, no topo da população, reproduz-se a aberrante desigualdade brasileira: as famílias 10% mais ricas têm rendimentos médios de R$ 18.000,00, sendo o rendimento médio das famílias 1% mais ricas de R$ 160 mil. Logo, mantendo nossa estimativa do valor da mensalidade em 15% da renda familiar, obtemos que 9% dos estudantes pagariam R$ 2.700. Já os 1% mais ricos pagariam R$ 4 mil - o valor da mensalidade nas melhores universidades privadas. Somando-se, ao fim, todas as mensalidades possíveis, chegamos a um total de R$ 4,7 bilhões, ou seja, em torno de 11% do orçamento anual das universidades federais (de R$ 41 bilhões). Devemos lembrar, contudo, que é necessário subtrair desse percentual o custo de se verificar quem pode ou não pagar (uma operação complexa), além do custo de administrar a cobrança. Na verdade, implementar medidas para melhorar a administração da universidade - o que não contradiz seu caráter público - poderia ser bem mais efetivo.
>>>>> 
>>>>> Resumindo, cobrar mensalidades ajudaria pouco a enxugar o orçamento público e o Banco Mundial parece ter forçado os números para nos convencer do contrário. O cerne da disputa está nas faixas intermediárias, que nem podem realmente pagar nem entram na categoria de pobres (para fazer jus a bolsas). A solução ventilada para esse grupo de renda média é o crédito, que já mostrou efeitos perversos nos EUA e na Inglaterra, levando a um grave endividamento de estudantes - comprometendo o futuro de jovens que sequer ingressaram no mercado de trabalho.
>>>>> 
>>>>> Do ponto de vista matemático, o problema é que a curva de distribuição de renda no Brasil é extremamente assimétrica (quase linear até o decil mais alto), em nada semelhante a uma curva normal.
>>>>> 
>>>>> Dito de modo menos técnico, as faixas de renda intermediárias dos brasileiros são muito similares - e excessivamente baixas. Isso torna pouco rigorosa a separação entre "mais ricos" e "mais pobres", sob o risco de distinguir quem ganha R$ 960 por mês de quem ganha R$ 800. Só um critério qualitativo pode estabelecer a partir de que renda alguém pode ser considerado "não pobre".
>>>>> 
>>>>> É positiva a tendência de analisar políticas públicas usando estatísticas. Deve-se tomar cuidado, todavia, com a dissociação entre informações quantitativas e qualitativas. A postura científica aconselha o uso de estatísticas para confirmar ou refutar perguntas em aberto. Mas as definições dos termos do problema, com impactos sociais significativos, precisam levar em conta o ideal de sociedade que se quer construir.
>>>>> 
>>>>> Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.
>>>>> 
>>>>> Hedibert Lopes é professor titular de Estatística e Econometria do Insper e foi Professor da Booth School of Business da Universidade de Chicago
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>>>>> Tatiana Roque é professora do Instituto de Matemática da UFRJ e foi presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ)
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>>>> Prof. Dr. Alexandre G. Patriota,
>>>> Department of Statistics,
>>>> Institute of Mathematics and Statistics,
>>>> University of São Paulo, Brazil.
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