[ABE-L] Minha derradeira reflexão de 2018

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Sáb Dez 29 23:04:47 -03 2018


Meus caros colegas e amigos

Para não dar uma ideia negativa de meus sentimentos com respeito à  
avaliação (referente à bolsa de produtividade e pesquisa) que tive no  
último ano, gostaria de me explicar. O fato de ter sido diminuído na  
minha classificação, de 1B para 1C, no CNPq, não prejudicou em nada a  
bolsa que recebo. Meus amigos, principalmente meu irmão, me disseram  
que eu não deveria escrever “choramingando”. Entendi então que minha  
intenção não ficou clara e assim tento aqui me explicar.

O meu (nosso) objetivo principal com minhas choramingadas é pressionar  
pessoas responsáveis.  Regras claras, para decisões sobre concessões  
de auxilio financeiro para projetos científicos e/ou concessão de  
bolsa de pesquisador, precisam ser estabelecidas. Se bolsas são  
concedidas ou não por comparação de projetos e currículos, precisamos  
saber as razões de deferimento ou indeferimento dos pedidos.  Um  
pesquisador, que teve seu projeto indeferido, precisa saber o que  
levou outros a serem deferidos.  Critérios objetivos facilitam  
bastante o entendimento e certamente diminuem as frequências das  
indignações.

Antes de iniciar minha reflexão gostaria de dizer que 1B é o último  
patamar antes de ir para 1A. Não fosse pela atual representação,  
penso, eu já poderia ser 1A. Minha imaginação ainda produz dúvidas  
sobre a forma como são estabelecidos os QUALIS de nossas revistas.  
Qual a razão das revistas de probabilidades terem QUALIS superiores  
aos da estatística? Desculpem minhas dúvidas, mas sem a clareza das  
regras deixa-se muito para imaginação negativa.  Em qualquer sociedade  
científica as revistas PlosOne e IEEE teriam QUALIS bem melhores do  
que temos hoje. Claro, eu tenho ali alguns artigos com meus ex-alunos.

Desde 1981, como pesquisador do CNPq, me sinto um privilegiado. Nunca  
deixei de ser apoiado pelas instituições brasileiras, FAPESP, CNPq e  
CAPES e sempre fui galgando as diversas etapas de classificação:  
Fechei meus olhos (ou meus sentimentos) para aqueles jovens  
pesquisadores que porventura foram “injustiçados” ao não receberem  
apoio para seus projetos. Agora, quando fui rebaixado no meu nível,  
percebi que uma injustiça pode afetar o nosso EGO, mesmo quando o  
nosso bolso não é afetado. Este é o principal ponto de minha mensagem.  
Minhas “reclamações” não são para garantir o meu projeto, a minha  
bolsa, as minhas conquistas, mas sim me preocupa o que estão fazendo  
com a área! Se os jovens não tiverem incentivos, eles desistirão! O  
sentimento de injustiça para aqueles que estão em início de carreira  
pode levar ao fim de uma história que nem bem começou.

Sabendo que não preciso reclamar da vida, percebi que os jovens  
injustiçados não sabem que podem e devem reclamar publicamente: os  
recursos de nossas agências são públicos e por isso precisam ser bem  
administrados.  Escrevi a minha primeira mensagem (no primeiro  
semestre) e como consequência muitos jovens escreveram contando as  
injustiças sofridas. Recebi permissão para publicar uma dessas  
mensagens, como viram. Só para que percebam as práticas possíveis, vou  
contar outro caso recente. Como sabem, estou visitando uma  
universidade federal onde um jovem colega escreveu um ótimo projeto de  
pesquisa para receber apoio financeiro (chamada universal do CNPq).  
Não foi um pedido grande e por sinal achei menor do que o projeto  
merecia. O projeto foi elogiado pelos avaliadores e muito bem  
recebido. No entanto, um dos avaliadores achou estranho não haver um  
pesquisador estrangeiro e por esta “razão” o pedido foi indeferido.  
Por tais injustiças é que eu reclamo! Como um velho privilegiado,  
estou em final de caminho e as consequências de meus escritos não  
poderão realmente me atingir de forma drástica. Prefiro pensar que as  
consequências de meus choros na rede sejam positivas, pelo menos para  
aqueles merecedores injustiçados.  Com respeito à minha produtividade,  
gostaria de enfatizar que minha escolha pela multidisciplinaridade foi  
feita desde o meu mestrado em 1971.  Sigo recomendações de cientistas  
que sempre admirei: Oswaldo Frota Pessoa, Luiz Edmundo Magalhães e  
Ricardo Brentani. Minha admiração por Jay Kadane reforçou ainda mais  
minha convicção de que foi BOA minha opção adicional pela  
multidisciplinaridade.

Outro exemplo de parecer “estranho” ocorreu com um jovem competente em  
projeto relacionado a um de meus trabalhos. No parecer ao projeto,  
nosso FBST foi classificado como método ultrapassado e assim foi  
indeferido o pedido, apenas por usar o eficiente FBST.  Sem contar os  
trabalhos recentes, o primeiro artigo definindo o FBST possuía em  
setembro 56 citações no SCOPOS e 208 no Google acadêmico. O artigo de  
2008 recebeu 32 no SCOPOS, 26 no Web of Science (dados de 07/2017) e  
106 no Google de hoje. (As citações do Web of Science e da ESCOPOS  
foram retirados dos Lattes de matemática.) Se forem olhar quais  
revistas citaram o FBST, irão encontrar JASA e TAS. Imaginem aqueles  
que utilizam o velho teste de Fisher (ou as suas ideias) em seus  
projetos, seriam estes da pré-história? Felizmente, o pedido de  
revisão foi aceito e o projeto contemplado:  Me pareceu que o  
avaliador sofre com o sucesso das INVENÇÕES de Outrem – A new  
scientific truth does not triumph by convince the opponents and making  
them see the light, but rather because its opponents eventually die,  
and a new generation grows up that is familiar with it (Max Planck) -.

Aproveitei minha visita a São Paulo para assistir filmes e entrevistas  
como as do David Letterman. Em duas ocasiões pessoas afirmaram, em uma  
música e em um argumento, que não se pode avaliar o conteúdo de um  
livro por sua capa. Concluí então que não se pode (ou não se deve)  
avaliar a qualidade de um artigo pelo QUALIS da revista. Alguns de  
nossos avaliadores não falam do conteúdo do artigo, mas sim da revista  
em que o artigo foi publicado. Repito mais uma vez: Um equívoco de  
Einstein não passa a ser correto pelo fato de ele ter escrito. Um  
artigo ruim no JASA não fica bom por ele ter sido ali publicado e um  
bom artigo não se torna ruim ao ser publicado em uma revista de QUALIS  
menor ou com impacto baixo.

Minhas reflexões, reclamações, discussões, são muito mais pensando na  
área, Estatística, do que no fato da minha bolsa de produtividade ser  
B, C ou A. Novamente, peço desculpas se em minhas mensagens anteriores  
a ideia principal não foi clara. Trabalhei desde 1969 na USP e ainda  
tenho mais alguns anos de divertimento científico, mas me preocupa o  
caminho que tem sido percorrido pela nossa comunidade. Tenho me  
obrigado à reclamar! Uso exemplos, pois, não tendo mais o que perder,  
eu penso ter o direito de transmitir o que escuto informalmente.

Meu trabalho acadêmico sempre foi com grupos de pessoas que nos  
complementamos nas decisões e nas escritas. Se eu tive algum sucesso  
em minha caminhada acadêmica devo isto aos meus alunos, colegas  
coautores ou incentivadores. Devo a Estatística muito do que sou hoje  
como “membro de bastidores de trabalhos científicos”.  Penso que  
preciso retribuir ao ganho acadêmico pelo trabalho estatístico.  Penso  
que a palavra chave da ciência é o conflito, no trabalho científico  
não deve haver hierarquia de conhecimento.  FORA COM A TEORIA DA  
AUTORIDADE!  Certo é certo e errado é errado: não há revista que salve  
o errado nem que mate o correto.

Em resumo, melhorar o processo deve ser ato contínuo. As regras devem  
ser claras para que todos os envolvidos saibam o que deve ser feito e  
poderem projetar sua carreira visando o sucesso científico. Para mim,  
as seguintes atitudes são necessárias para o sucesso de uma comunidade  
científica: DEBATER, CONFLITAR e, principalmente, CRIAR.

Feliz 2019 para os colegas e que obtenham todo o sucesso científico  
que merecerem.

-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





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