[ABE-L] Velho pensante

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Seg Jan 15 10:28:35 -03 2018


Caros redistas amigos e colegas:
A gente vai ganhando mais anos de vida acompanhado de problemas  
gerais, principalmente os causados pela dor.  Dorzinha que parece, às  
vezes, tortura chinesa, pois nunca acaba e você continua vivo e vez  
por outra pensante.
Mas eis o que eu queria dizer:
José Goldemberg faz esse ano 90 anos e com o seu brilhante artigo de  
hoje no estadão parece ser uma mente saudável.  Parece que sua mente  
vai perdendo o desgaste do tempo e ganhando a juventude de outrora.
Faz tempo que a gente não lê um artigo da segunda página do estadão  
que não seja falando das desgraças de nosso país, quando não atacando  
algum político desatento da atividade de puxar saco da mídia.
Copio aqui pra todos
Veja também na página  
http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2018/01/jose-goldemberg-uma-nova-renascenca.html

Goldemberg foi nosso reitor, esse período de reitoria é considerado  
por alguns de nós um divisor de águas na ciência da USP: Antes e  
depois do José.  Foi ministro (da educação do Collor) e secretário de  
estado (educação e meio ambiente) em duas administrações.  Por onde  
passava deixava saudades, diriam alguns de seus assessores dessas  
ocasiões.  Ele parece um bom juiz, não atrapalha o jogo!


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* José Goldemberg: Uma nova Renascença?

- O Estado de S.Paulo

Seus resultados parecem atraentes, mas ela vai aumentar a concentração  
de renda e o desemprego

Existe uma corrente de economistas que acredita que o “século de ouro”  
das inovações tecnológicas, que teve início com a Revolução Industrial  
na Inglaterra, no século 19, já se esgotou.

Essa revolução começou com a invenção das máquinas a vapor, que  
inicialmente modernizaram a indústria da tecelagem e eliminaram a  
fabricação artesanal de tecidos, e seguiu com o desenvolvimento das  
locomotivas e do transporte ferroviário, que cruzaram todos os  
continentes. Mais tarde, a descoberta do processo de produção de  
eletricidade permitiu a iluminação das cidades e, posteriormente, as  
telecomunicações mudaram radicalmente a face da Terra. No século 20  
verificou-se uma enorme expansão das cidades, onde vive hoje cerca da  
metade da população mundial.

O império inglês baseou-se nessas tecnologias, que deram ao país uma  
prosperidade sem precedentes na História. A Inglaterra produzia os  
produtos que eram exportados para as colônias, criando empregos bem  
remunerados para a sua população. Só para dar um exemplo, no fim do  
século 19 a Inglaterra, com apenas 3% da população mundial, produzia  
(e exportava) aproximadamente metade do ferro e aço usado no mundo.

É por essa razão que a Revolução Industrial é considerada por muitos  
como uma “segunda Renascença”. A primeira Renascença, como se sabe,  
começou no fim da Idade Média, por volta de 1400. A invenção da  
imprensa, por Gutemberg, que aumentou o número de pessoas  
alfabetizadas, destruiu o monopólio de conhecimento e poder da Igreja  
Católica. Repetir os dias de glória das antigas civilizações grega e  
romana passou a ser a aspiração das pessoas. O “renascimento” nas  
letras e artes foi particularmente forte em Florença, na Itália, onde  
a pintura e a arquitetura floresceram sob o patrocínio da  
aristocracia. Com isso os próprios costumes passaram por um período de  
liberalização extrema.

A reação a esse “renascimento” não demorou. Em menos de um século, por  
volta de 1480, surgiu uma onda violenta contra esse período de  
liberdade com o movimento obscurantista de Savanarola, um sacerdote  
dominicano que defendia o retorno à velha ordem, promovendo até a  
destruição de obras de arte de grandes renascentistas como Dante,  
Boccaccio e Boticcelli, entre outros.

A reação de Savanarola à “renascença” do século 15 tem sido comparada  
à retórica e às políticas do presidente Donald Trump, dos EUA, que  
está levando seu país a abandonar causas de interesse de toda a  
população mundial, como o comércio internacional, o combate ao  
aquecimento global e outros, usando o argumento de que prejudicam  
parte da população americana que o elegeu.

Exemplo disso é o sólido apoio que Trump tem entre os operários que  
trabalham na mineração de carvão, fonte principal das emissões de  
gases responsáveis pelo aquecimento da Terra. O uso de carvão está em  
declínio no mundo todo por motivos econômicos e tecnológicos e vai ser  
substituído por combustíveis mais “limpos”, como gás natural e fontes  
de energia renováveis. Isso não interessa aos mineiros que extraem o  
carvão – que representam o passado –, como Savanarola não desejava a  
perda de poder da Igreja.

As políticas preconizadas pelo presidente Trump baseiam-se também no  
fato de que os salários de grande parte da classe média dos EUA, da  
Inglaterra e outros países altamente industrializados estagnaram a  
partir de 1980, o que, segundo alguns economistas, decorre da redução  
do ritmo da inovação tecnológica. Essa situação cria muito  
descontentamento nesses países e alimenta correntes políticas  
extremistas ou nacionalistas para proteger os que deixaram de se  
beneficiar com os resultados das descobertas do “século de ouro”.

Sucede que estamos agora diante de uma nova Renascença com o  
desenvolvimento da informática, da automação e da inteligência  
artificial, que já é realidade e está mudando a nossa vida diária.

Somente para dar um exemplo, transações bancárias são feitas agora por  
cartões, computadores e celulares, tal como o check-in nos aeroportos,  
compras pela internet; e o atendimento médico utiliza mais e mais  
exames sofisticados. Parte da produção industrial já é feita por  
robôs, uma vez que as atividades repetitivas podem ser programadas em  
computadores. E essa tendência certamente vai se acentuar.

É provável que automóveis sem motorista se tornem populares em algumas  
décadas, e até com a possibilidade de eliminarem acidentes, já que a  
maioria deles é causada por erro humano.

Muitos dos resultados desta “nova renascença” parecem atraentes, mas  
não há dúvida de que vão criar dois problemas novos, cuja gravidade é  
ainda difícil de avaliar: concentração de renda e desemprego.

A concentração de renda já está ocorrendo, por exemplo, com os novos  
gigantes do Vale do Silício, cuja riqueza supera a de setores  
tradicionais, como o automobilístico. Esse não é um problema que a  
tecnologia possa resolver. Nas mãos de 1% da população mundial estão  
cerca de 50% da riqueza do planeta. Governos podem agir para diminuir  
o problema por meio da taxação das grandes fortunas e da adoção de  
políticas distributivas.

O problema do desemprego é mais sério. Estimativas feitas por  
pesquisadores da Universidade de Oxford sugerem que centenas de  
milhões de pessoas não teriam emprego no futuro por falta de  
conhecimentos e da educação necessária para obtê-los, dadas as falhas  
do sistema educacional atual.

Será necessário, então, expandir as atividades nas áreas em que  
máquinas não poderão substituir o ser humano, como educação, lazer,  
turismo, literatura, artes e atividades correlatas, e, sobretudo,  
aumentar o número de “pessoas para cuidar de pessoas”.

Talvez esse venha a ser um mundo melhor que o atual.

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* Professor emérito e ex-reitor da Universidade de São Paulo

-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





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