[ABE-L] Fwd: A Copa da Ciência - Artigo no Jornal do Brasil de hoje.

Lisbeth Cordani lisbethkcordani em gmail.com
Sáb Jul 14 15:14:56 -03 2018


Artigo dos presidentes da SBPC e da ABC publicado no JB de hoje.


A COPA DA CIÊNCIA


Ildeu de Castro Moreira* e Luiz Davidovich**


A Copa do Mundo desperta paixões, mobiliza multidões, transforma cada
brasileiro em técnico de futebol, inflama a torcida pelo sucesso nacional.
Mereceria atenção semelhante uma outra Copa, na qual os vencedores ganham
qualidade de vida por muitas décadas e os derrotados amargam um futuro
sofrido, empobrecido e desalentador: a Copa da Ciência e da Inovação.

Para esta Copa, uma competição que ocorre dia e noite, sem interrupção, os
times são preparados continuamente e podem levar décadas para amadurecer. O
Brasil vem preparando seu time de cientistas e técnicos, mais intensamente,
a partir de 1950, com a criação do CNPq, da CAPES, da FINEP e das Fundações
Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), e com a expansão das universidades
públicas e instituições de pesquisa.

Diversos gols foram marcados, na agricultura, na saúde pública, na
exploração de óleo e gás, na manufatura de aviões, no desempenho da
pós-graduação, no crescimento da produção científica, em iniciativas de
inclusão social, no protagonismo internacional de diversas empresas
inovadoras. Houve também, é certo, jogadas mal feitas e muitas
oportunidades desperdiçadas.

A trajetória ascendente da ciência no Brasil sofre agora, no entanto, um
sério revés. O orçamento de custeio e capital do MCTIC para este ano -
recursos para investimento em pesquisa, excluindo salários e gastos
administrativos - é cerca de um terço do valor de 2013 corrigido pela
inflação. Cortes no orçamento atingem também a CAPES. Por outro lado, a
maioria das FAPs opera em regime falimentar. O orçamento não reembolsável
da FINEP, que alimenta pesquisas em CT&I e a subvenção econômica para
empresas inovadoras, foi reduzido de 4,2 bilhões de reais em 2010
(corrigidos pela inflação) para 920 milhões em 2017. Neste ano, a situação
está ainda pior.

Alegando a crise financeira que afeta o país, o Governo Federal tem
realizado cortes drásticos no orçamento da CT&I, da educação e de outras
áreas sociais. Essa atitude reflete uma definição distorcida de
prioridades, reflexo de incapacidade ou falta de vontade em formular uma
agenda de desenvolvimento nacional. Essa política contrasta com a adotada
por outros países que também padecem da crise global.

Em 2012, no auge da crise, o Primeiro-Ministro da China, Wen Jiabao,
comunica ao Congresso do Povo que a taxa de crescimento da China iria
decrescer. No mesmo discurso, anuncia que o investimento em pesquisa básica
aumentaria 26%. Também em 2013, propostas análogas são anunciadas pelo
Presidente da Rússia Vladimir Putin e pelo Primeiro-Ministro da Índia
Manmohan Singh. Diante da crise, adota-se uma medida anti-cíclica: o
investimento em ciência abre as portas para a saída da crise. Recentemente,
a proposta orçamentária do Presidente Trump, contendo cortes severos no
orçamento de C&T, foi rejeitada pelo Congresso Norte-Americano que, em um
acordo bipartidário, não só anulou os cortes como adicionou 20 bilhões de
dólares a esse orçamento.

Enquanto o Brasil investe apenas cerca de 1% de seu PIB em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), outros países avançam nesse exigente campeonato
entre nações: a Coréia do Sul já passa de 4%, a União Europeia pretende
alcançar 3% em 2020, e os Estados Unidos já investem mais de 2,5%. Para
alcançarem esses percentuais, tais países contam com a participação
decisiva de empresas, que investem em P&D para transformar conhecimento em
produto. Na Coréia do Sul, por exemplo, 3/4 do investimento provem de
empresas. No Brasil, no entanto, essa participação é exígua: cerca de 40%
do investimento total. Menos que 1% das 135 mil empresas industriais fazem
uso dos incentivos fiscais para inovação da Lei do Bem, criada em 2005, e
apenas 200 participam do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI).

A balança comercial do país é dominada por bens primários, muitos deles
possibilitados pela ciência e tecnologia desenvolvida antes, mas com baixo
valor agregado. E este processo se acentuou nos últimos anos. De 2011 a
2017, o Brasil passou do 47o ao 69o lugar no Índice Global de Inovação:
desceu 22 posições, ficando atrás de todos os outros países do BRICs. Nessa
Copa da Inovação caímos nos jogos eliminatórios.

Muitos jovens, craques em potencial da ciência e da inovação, têm deixado o
país, em busca de ambientes de pesquisa mais promissores, desfalcando um
time que tinha perspectivas de ser campeão. Outros desistem antes e sequer
adentram o gramado. Para ter jogadores capacitados é necessário educação
cientifica de qualidade e condições adequadas para o treino e o jogo.

Há tempo ainda de reverter esse processo. Este pode ser um momento da
virada, aproveitando o ano eleitoral. Para isso, a ciência e a inovação,
nas suas dimensões tecnológica e social, assim como a educação, precisam
ocupar posição de destaque não apenas nos debates, mas nos corações e
mentes dos brasileiros quando escolherem seus candidatos à Presidência da
República, aos Governos Estaduais e aos parlamentos nacional, estaduais e
municipais.

A sociedade brasileira precisa reagir a esta situação de retrocesso,
apoiando programas e candidatos que proponham claramente uma agenda
nacional de desenvolvimento, baseada na educação de qualidade, na ciência e
na inovação, e que busque a redução das nossas desigualdades sociais e
econômicas, um quesito no qual, infelizmente, estamos na vanguarda do
conjunto de nações.

Muitas propostas que garantem um desenvolvimento sustentável para o país,
nos âmbitos econômico, social e ambiental, foram elencadas no Livro Azul da
4a Conferência Nacional de CT&I, realizada em 2010, e em publicações da
Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência. Recentemente elas foram reunidas, por essas duas entidades, em
documentos para os candidatos às eleições deste ano.

Há, ainda, um objetivo de curto prazo de grande importância: inicia-se
agora a apreciação do orçamento federal para 2019 pelo Congresso Nacional.
Cabe ao governo, em sua proposta de lei orçamentária, e aos parlamentares
atuais aumentar substancialmente a dotação para C&T, colocando de novo o
Brasil em trilhos que o levem a um futuro com maior desenvolvimento e uma
melhor qualidade de vida para sua população.

É uma das responsabilidades do Congresso Nacional interromper esse processo
de desmonte da ciência e da tecnologia nacionais, de modo que o país possa
ocupar a primeira divisão na Copa da Ciência e destacar-se no jogo das
nações. O povo brasileiro merece.

* Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
** Presidente da Academia Brasileira de Ciências"


http://www.jb.com.br/artigo/noticias/2018/07/14/a-copa-da-ciencia/

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