[ABE-L] Não há conforto na verdade (George Michael)

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Qua Jan 16 18:33:13 -03 2019


Não há conforto na verdade (George Michael em uma de suas músicas)

Meus caros amigos, colegas e redistas

Perdoem-me por voltar a encher seus e-mails com minhas prosas. Venho  
hoje falar de nossas mazelas.

No entanto inicio recomendando a todos assistirem ao documentário  
“George Michael: Freedom”.
George foi um grande artista, conseguindo inclusive ganhar todos os  
prêmios de SOUL na época (da luta contra o racismo) do filme “Faça a  
coisa certa” (Do the right thing, 1989, Spike Lee). Stevie Wonder ao  
ficar surpreso em saber que George era branco perguntou se ele não era  
cego também. George Michael foi um músico dos mais criativos e, mesmo  
depois da morte de seu parceiro, teve forças para enfrentar a Sony.  
Queria ele encerrar um contrato que fez quando muito jovem e que  
percebeu que nunca teria final. A Sony limitava sua criatividade ao só  
desejar gravar coisas (que eles achavam) que dariam lucro. George  
Michael foi para a justiça e perdeu em todas as instâncias, não  
podendo encerrar o contrato. Então, pagou o preço do “passe do Messi”  
para conseguir a liberdade desejada. Uma vez em liberdade, fez o disco  
que ele considera o melhor da vida dele, OLDER. Ótimas entrevistas com  
artistas importantes fazem parte deste vídeo. Elton John não o perdoa  
por não ter sido o pianista, se não me engano de Freedom. Steve Wonder  
em algum momento afirma que “chegamos sozinhos e vamos sós”. Muito bom  
o documentário! Recomendo!

Mais eis onde queria chegar: estamos em momento de divulgação de  
decisões do CNPq, bolsa de produtividade e pesquisas. Depois de minha  
mensagem no final de 2018, venho recebendo de jovens pesquisadores,  
com sentimento de injustiçados, cópias de decisões sobre seus pedidos  
de bolsa. Você é rejeitado (pelo poder) por não estar produzindo  
coisas da moda, assim como George Michael.  Mas George ao se libertar  
da Sony foi um sucesso. George se tornou a moda!

Alguns dos pareceres fazem também restrição ao tipo de coautoria de  
artigos publicados ou de tipos de pessoas (não) incluídas nesses  
projetos.  Repito outros textos, nada haver com a qualidade do  
projeto. Qual de nós pode dizer que o trabalho de um colega é  
irrelevante? Parecerista pode?  Um indivíduo pode até achar  
irrelevante um trabalho para o seu histórico, mas não pode fazer isso  
em geral só por estar com a caneta na mão. Precisamos ter humildade  
quando escolhidos para dar um parecer.

A semelhança dos pareceres que recebi recentemente se reduz à seguinte  
frase: “A proposta, apesar de meritória, não pode ser atendida nesta  
oportunidade, considerando-se a disponibilidade de recursos para a  
chamada”.

Esta frase como resultado final do pedido é ótima, pois praticamente  
impossibilita o pedido de recurso. Claro, poderia pensar-se que o  
motivo seria que outros ficaram à frente. Não deveria ser a lista dos  
agraciados pública? Assim, a pessoa poderia comparar-se aos outros,  
agraciados, e só então questionar (fazer um recurso) solicitando  
revisão da decisão sobre o projeto indeferido. Creio que nossos  
representantes, após reclamações públicas, tomariam mais cuidado para  
avaliar e emitir os pareceres finais. Não para torná-los mais justos,  
mas para evitar questionamentos futuros!

Voltando ao George Michael; em uma parte do vídeo ele declara: “não me  
lembro de ter recebido apoio de algum artista. Sei que muitos estavam  
sentados esperando o resultado.” No nosso caso recebi, sobre meus  
textos, apoios públicos apenas de meus amigos e de um corajoso jovem,  
o Marcelo, que permitiu que eu colocasse na rede seu e-mail contando a  
indignação. Para vencermos essa batalha, não basta esperarmos por  
mudança nos comitês, pequenas alterações etc. Temos que clamar por  
regras que nos norteiem em projetos futuros. Temos que discutir e  
propor a definição destas, a eliminação da moda em ciência, a  
possibilidade de aceitarem a criatividade em novas ideias e não ficar  
apenas pensando no que fazem nossos julgadores e juízes.

Tenho recebido muitos e-mails com concordância e apresentando novos  
fatos. Mas são mensagens privadas, apenas para mim. Isso não resolve,  
não tenho poder algum de reverter essas coisas erráticas que nos têm  
perseguido. Eu tenho, no entanto, recomendações para que se sintam  
mais fortes nas reivindicações e tenham a certeza de injustiças.  
Peguem a lista de bolsistas do CNPq e abram o Lattes de cada um deles.  
Comparem com seus próprios Lattes. É trabalhoso, mas vale a pena, pois  
não adianta só reclamar, como o Professor Gauss bem colocou em seu  
Facebook. Autoavaliação é fundamental! Nem tudo é injustiça. Você pode  
ser competente, mas talvez outros tenham sido mais competentes que  
você. Por isso que defendo a transparência do processo e a divulgação  
das ordenações.

Compare-se aos bolsistas (e/ou agraciados com projetos, edital  
universal etc.)! Assim que (se) você encontrar algum bolsista com  
produtividade claramente inferior à sua:
1. Verifique se é parente de alguém do comitê de sua área;
2. Verifique se é do mesmo departamento de alguém do comitê de sua área;
3. Verifique se a pessoa estudada foi julgada no mesmo período do seu;
4. Não olhe os QUALIS, mas olhe o fator de impacto das revistas que  
publicaram os artigos;
5. Verifique se as revistas fazem parte das que são consideradas pelo  
ISI e/ou SCOPUS.

Você não está cometendo crime ao fuçar a produção de outras pessoas,  
pois tudo é público e o dinheiro usado é também público, não pertence  
aos membros dos comitês. Note que você está sendo julgado pelo que fez  
assim como você estará julgando o que outros fizeram. Se ao fizer  
isso, você encontrar uma boa justificativa para não ter sido  
agraciado, então talvez não tenha havido injustiça. Mas, se for claro  
e notório alguns dos pontos acima, então o sentimento de injustiça não  
é infundado.
Minha observação final, que é incrível, é sobre o fato de nossos  
índices ISI e SCOPUS terem desaparecido nos LATTES dos pesquisadores  
das áreas de Matemática e Estatística e talvez de outras áreas.  Vai  
dar trabalho a gente medir produtividade corretamente.

Para que tenhamos força em uma mudança efetiva nessas formas de nos  
julgarem é preciso que divulguem as injustiças que sintam terem sido  
praticadas com vocês. Sozinho não há força para alterar o que está  
errado. Como sociedade organizada, temos o poder de alterar as regras,  
os representantes, os comitês e o que for necessário para melhorar o  
sistema. Não sou utópico em crer que teremos um sistema perfeito,  
justo e maravilhoso. Mas, certamente, um sistema melhor não é apenas  
possível, é necessário para o crescimento da área. Apenas lembrando  
que nós somos os revisores dos artigos científicos e também somos os  
pareceristas nos pedidos de auxílio à projetos. A revisão é feita por  
pares! Nós somos quem temos que mostrar que o sistema está errado,  
propor soluções, buscar sua melhoria. Esperar que surgisse alguém para  
resolver todas às mazelas é crer em algo utópico. Segundo a Sony, se  
outros artistas tivessem participado da “revolta” de George Michael, o  
resultado do processo teria sido outro.

Meu desejo, talvez impossível de ser conseguido, é participarmos de um  
comitê de matemática aplicada e estatística. Afinal aplicamos  
matemática em nosso trabalho. No final dos anos 80 eu era presidente  
da ABE e minha maior luta em conjunto com o presidente da SBMAC foi  
tentar fundar nosso comitê: com justiça a matemática tem um  
representante de cada uma de suas áreas e que são em maior número.  
Nosso grupo de bioinformática saiu da computação para o comitê de  
bioinformática onde projetos multidisciplinares são apreciados. Um  
projeto de bioinformática pode incluir conhecimento de biologia, de  
bioquímica, de medicina, de computação e claro de estatística. Eu, em  
particular não imagino um projeto de estatística sem o pessoal que  
gera o problema e sem o conhecimento de computação operacional. Minha  
dissertação de mestrado em 1971 teve sua origem no laboratório do  
Professor Luiz Edmundo que estudava os aspectos da sobrevida da  
Drosophila Melanogaster, a mosquinha da banana. Será que sou eu O  
MOSCO que caiu na SOPA do nosso comitê? Tomara!

Saudações
Carlinhos

-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





Mais detalhes sobre a lista de discussão abe