[ABE-L] O milagre da multiplicação de artigos - matéria do Nexo Jornal

Celso Rômulo celsoromulo em gmail.com
Ter Maio 9 15:28:17 -03 2023


Nexo Jornal
24 de abr de 2023

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https://www.nexojornal.com.br/externo/2023/04/24/O-milagre-da-multiplica%C3%A7%C3%A3o-de-artigos

O milagre da multiplicação de artigos

Fabrício Marques

Prática controversa, a publicação de milhares de papers em edições
especiais de periódicos levanta suspeitas sobre rigor na avaliação de seu
conteúdo.

A Clarivate Analytics, empresa responsável pela base de dados acadêmicos
WoS (Web of Science), anunciou em março sanções contra cerca de 50 revistas
científicas que fazem parte de sua extensa seleção. Elas desrespeitaram
normas de qualidade exigidas pela companhia e perderão uma credencial
fundamental para atrair novos autores: foram excluídas do JCR (Journal
Citation Report), plataforma que determina o fator de impacto de
periódicos, medida consagrada para mensurar a sua visibilidade e
repercussão ao calcular quantas citações seus artigos receberam em outros
estudos.

Esse tipo de exclusão acontece todos os anos, mas, em 2023, chamou a
atenção por incluir 21 títulos de duas editoras de acesso aberto que se
notabilizaram por um rápido crescimento. A punição também põe sob
escrutínio uma prática disseminada nessas empresas que já era considerada
controversa: a publicação de números especiais temáticos organizados por
editores convidados, sem vínculo formal com os seus quadros, que costumam
gerar uma enorme quantidade de artigos e, em alguns casos, não seguem o
mesmo rigor na avaliação das edições regulares.

Dezenove revistas excluídas são da Hindawi, que edita cerca de 250
periódicos de acesso aberto – 64 deles estavam indexados na WoS. A empresa,
fundada no Cairo, Egito, em 1997, hoje pertence à norte-americana John
Wiley & Sons. Outras duas publicações punidas são da MDPI, sediada na
Basileia, Suíça, responsável por 390 periódicos. Um dos que receberam
sanção foi o International Journal of Environmental Research and Public
Health, que publicou cerca de 17 mil artigos em 2022. Seu último fator de
impacto foi de 4.614, desempenho notável para um título com produção tão
extensa.

A Clarivate não forneceu detalhes sobre os problemas encontrados em cada
caso, mas a editora chefe e vice-presidente da WoS, Nandita Quaderi,
informou que o uso de uma ferramenta de inteligência artificial capaz de
detectar mudanças atípicas no desempenho de periódicos apontou 500 que
mereciam ser investigados. Segundo ela, foi possível reunir evidências de
que ao menos 50 deles não estavam cumprindo os padrões exigidos de
avaliação. “Nos últimos meses, tomamos medidas proativas adicionais para
combater as crescentes ameaças à integridade do registro acadêmico”,
afirmou Quaderi, em um comunicado. “Quando determinamos que um periódico
não atende mais aos nossos critérios de qualidade, temos a responsabilidade
de agir.”

No final do ano passado, a Hindawi anunciou a suspensão temporária de
edições especiais. Isso, depois de identificar em várias delas a publicação
de centenas de trabalhos fraudulentos, produzidos por “fábricas de papers”,
serviços ilegais que produzem manuscritos sob encomenda, em geral com dados
ou imagens falsas. Em outubro, mais de 500 artigos de 16 títulos da editora
foram retratados por manipulação na revisão por pares. As investigações
tiveram início em abril, após o editor-chefe de uma das revistas da Hindawi
ter manifestado preocupação sobre o conteúdo de uma edição especial. Muitos
pareceres apresentavam textos duplicados. Também houve casos de
pareceristas que participaram da avaliação de muitos manuscritos e de
outros que entregaram suas revisões muito rapidamente. A Hindawi relatou um
prejuízo de US$ 9 milhões com a pausa nas edições especiais entre novembro
e janeiro.

O modelo das edições especiais também foi responsável pelo crescimento
exponencial da MDPI, fundada há apenas 13 anos e hoje a quarta maior
editora científica do mundo. A empresa publicou cerca de 20 mil artigos em
seus primeiros 15 anos, mas começou a multiplicar a produção a partir de
2015. Em 2021, foram 240,5 mil trabalhos, cobrando uma taxa média de
processamento de 1.258 francos suíços (o equivalente a R$ 6,9 mil) por
paper. Em 2023, seus dois principais títulos, Sustainability e
International Journal of Molecular Sciences, deverão publicar cada um cerca
de 3,5 mil edições especiais – nove por dia.

Uma análise feita por Paolo Crosetto, do Instituto Nacional de Pesquisa em
Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente da França, e Pablo Gómez Barreiro,
do Jardim Botânico Real de Kew, em Londres, mostrou que apenas em 2022 uma
centena de periódicos do MDPI lançou 17 mil edições especiais com um total
de 187 mil artigos. A dupla avaliou o tempo que demorou para que o mérito
dos papers fosse avaliado, entre a submissão da primeira versão do texto e
a sua publicação. O prazo médio foi de 37 dias, ante mais de 200 dias das
revistas de acesso aberto da coleção PLOS. “Não tenho provas de que eles
fizeram algo errado”, disse Crosetto à Science. “Mas é lógico que a
confiança fica comprometida quando você delega a responsabilidade a um
editor convidado qualquer”, afirma, referindo-se a casos documentados de
conflitos de interesse e revisão por pares fraca e até fraudulenta nesse
tipo de título. Carlos Peixeira Marques, da Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro, em Vila Real, Portugal, disse à Science que a MDPI o convidou
várias vezes para atuar como editor de números especiais em áreas como
agricultura e engenharia, mas nunca em negócios e turismo, que são suas
áreas de pesquisa. “O volume insano de edições especiais torna impossível
manter um padrão mínimo de avaliação por pares”, afirmou.

Em um comunicado, a MDPI atribuiu a remoção a um critério relacionado à
“relevância de conteúdo”. Em manifestações anteriores, a empresa defendeu
seu modelo com o argumento de que a revisão expressa permite aos autores
difundirem rapidamente seus resultados de pesquisa, e o trabalho de
editores convidados é útil para dar treinamento a jovens pesquisadores em
processos de comunicação científica. Giulia Stefenelli, presidente do
Conselho Científico do MDPI, disse à revista Times Higher Education que as
edições especiais “são iniciadas por pesquisadores experientes em
disciplinas específicas como uma oferta à comunidade acadêmica”. Segundo
ela, os periódicos avaliam propostas de edições especiais formuladas por
cientistas e os artigos selecionados são submetidos a uma revisão por pares
rigorosa, com uma taxa de rejeição de manuscritos “próxima da marca de 50%”.


Celso Rômulo B. Cabral
Departamento de Estatística
Universidade Federal do Amazonas
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