[ABE-L] resultado do PISA

Adriano Polpo de Campos apolpo em ime.usp.br
Sáb Dez 10 09:29:19 -03 2016


Car(a)os redistas,

Desculpem minha longa mensagem e possíveis erros de português.  
Acredito que eu fujo um pouco do tema PISA, mas já li muitas  
discussões nesta lista sobre diversos assuntos do nosso cotidiano. Não  
consigo separá-los e por isso, resolvi escrever.

Sobre o resultado do PISA, comparando com outros países: desculpem-me,  
mas não vejo a mesma desgraça dos colegas. Não que eu ache que o  
ensino está bem no Brasil, mas não está nenhuma maravilha na Europa ou  
Estados Unidos, que tem bolinhas azuis. Não digo sobre a Ásia pois não  
tenho informações sobre estas localidades.

Eu morei nos Estados Unidos por 1 ano e conheço alguns professores  
universitários de lá. A realidade das universidades deles não é nem um  
pouco animadora. A qualidade dos alunos que entram são, a meu ver,  
piores do que os alunos que nós recebemos em nossas universidades.  
Claro, lá todos se formam na graduação, mas não podemos comparar as  
graduações, nós somos muito mais exigentes que eles (percepção minha).  
Tanto é que os programas de Doutorado (em estatística, ao menos)  
praticamente não tem americanos. São na maioria estrangeiros  
(chineses, indianos, leste europeu, ...), em geral, pessoas buscando  
melhores oportunidades.

Já na Europa, conheço também alguns professores universitários. Um  
deles relatou que um aluno do 3 ano (último ano!) de um curso de  
exatas não sabia limite, o conceito matemático de limite. Ele ainda  
enfatizou: "não estou dizendo derivada, integral, se soubessem somente  
limite já seria muito bom". Detalhe, um professor inglês me disse que  
integral e derivada era conteúdo do "ensino médio" deles, que um aluno  
de universidade entrava sabendo isso! Será?

Nós criticamos nossos alunos na universidade, sim, eu também o faço.  
Os próprios alunos o fazem. A frase mais comum é: "nossa, o que  
aconteceu, os alunos que estão entrando a cada ano estão piores".  
Agora, até onde eu sei, esta frase é dita desde os tempos de D.Pedro.  
A nossa percepção é sempre que o que estava antes era melhor e o que  
vem depois é pior. Minha bisavó, que era analfabeta, dizia isso sobre  
os netos dela (meus tios e pais). Que eles eram muito piores do que a  
geração dela. Só que os netos dela formaram-se em universidades. Quem  
tem razão? Para mim o fato é, existe diferença, no mínimo cultural,  
mas medir inteligência, não tento (claro, o objetivo do PISA não é  
medir inteligência e não é sobre isso que falo).

Obviamente, o PISA é sobre "crianças" de 15 anos. Logo, a comparação  
entre os alunos dos diversos países no nível universitário é injusto.  
Afinal, quantas universidades temos no Brasil? Selecionamos somente os  
melhores entre o todo. Talvez estes nossos melhores são melhores que  
os alunos da Europa e Estados Unidos, em que por lá, quase todos vão  
para universidade.

Neste caso, vou me referir aos Estados Unidos, que conheço um pouco  
mais. O nível de conhecimento do americano em geral, não é nenhuma  
maravilha. Eu não acredito que eles tenham um ensino excelente. O  
problema não é a escola, mas sim a pobreza. Eles tem sim uma condição  
de vida melhor que a nossa (como população). Consequentemente, as  
crianças conseguem ir para as escolas por mais tempo e bem  
alimentadas, em escolas com boas infraestruturas. Tudo é uma  
maravilha? Não, longe disso. Neste caso, talvez o resultado do PISA  
está refletindo outra coisa e não o ensino.

Acho que nós (sociedade, eu incluído) focamos muito no lugar errado  
para buscar a solução do problema. Por isso, raramente conseguimos  
resolver (ou temos a sensação que não há solução para o problema).

Para mim os problemas são:
1) Justiça. País sem um sistema de justiça descente não tem como  
melhorar. (por justiça descente entenda: o povo com medo de ser punido  
respeita as leis. No brasil o medo da punição é muito baixo ou, se  
preferir, a certeza da impunição é quase unanime).

2) Condição de vida: Comida na mesa! Teto! Criança que não precise trabalhar.

3) Segurança Pública: Não ter medo de ir e vir. Vivemos em nossas  
prisões, com cercas elétricas defendendo nossas casas. Alarmes,  
câmeras de segurança, carros blindados, rotinas e atos de segurança  
(não sair a noite sozinho, trancar tudo, não andar a pé, evitar aquela  
região mais violenta, ...).

4) Ensino: condição de trabalho para o professor. Diminuir o tempo  
dentro de sala de aula, permitido que este prepare sua aula e tenha  
tempo para capacitação contínua. Salários mais atraentes. Professores,  
do ensino básico, deveriam ser os mais importantes de todos, os mais  
valorizados, é ali que a criança começa sua vida (minha opinião,  
apenas).

Sem 1, 2 e 3, é bem difícil conseguir o 4. Sem o 4, complicado será  
para termos 1 e 3. Sem 2, o 3 fica difícil de atingir... e por ai vai.  
Resumindo: não vejo como separar estas coisas. Notem que eu não incluí  
saúde em minha lista, não porque não acho importante, mas porque com  
os pontos acima funcionando, a saúde o povo reclama! Ok, pode ser  
simplista, inclua o item 5 saúde ou o inclua no item 2 (que não deixa  
de ser razoável). Mas todos os itens devem ser tratados e olhados ao  
mesmo tempo. Não podemos ser individualistas. Olhar nosso curral e  
dizer que o resto é problema dos outros.

Não sei se concordam com minhas reflexões. Acredito que esta seja a  
minha primeira manifestação nesta lista (para este tipo de assunto).  
Não pretendo fazer muitas outras (se é que farei outra). Eu tento  
fazer minha parte. Como professor universitário, eu incentivo e muito  
os meus alunos. Eu os incentivo a melhorar, a não tornarem-se os  
políticos que tanto reclamamos, nem os empresários que temos.  
(Acredito que tenha ficado claro no cenário atual que a corrupção não  
está no governo, mas sim na sociedade. Um político não consegue  
desviar verba, se não tiver uma empresa que seja contratada e o ajude  
nesta tarefa).

Se eu conseguir com que alunos sigam na honestidade, mesmo vendo a  
desgraça e o caminho "fácil" ao seu lado... Se eu conseguir que dois  
alunos o façam, já será muito bom. Se eu utilizar a ideia de marketing  
de pirâmide (que é terrível), se este dois conseguirem mais dois... já  
seremos 7. Agora, mesmo terrível o marketing de pirâmide, eu também  
preciso me enganar, para continuar acreditando que pode existir  
solução para o problema.


Talvez o que doa mais não é isso tudo. Hoje, praticamente temos uma  
única voz no Brasil inteiro: todos contra a corrupção! Não é lindo  
isso? Mas a corrupção continua... então, alguém está mentindo! Quem?  
Nós! O povo brasileiro. Essa é a tristeza maior. Não reclame dos  
políticos (apenas), olhe a seu lado, você está fazendo correto? Quando  
se paga 10 reais para um segurança de casa noturna, para evitar a  
fila, não é corrupção? O que isso incentiva? Que o dinheiro ganha  
sobre os outros... Quem pode mais... Que tudo tem um jeitinho... A  
mensagem que fica é mais forte que o valor. Se são 10 reais ou se são  
10 milhões... roubo é sim ou não... não é quantidade.

Ai eu digo, que adianta uma escola boa se nós (sociedade brasileira)  
ensinamos o errado para nossas crianças todos os dias. A escola não  
vai resolver. O problema é nosso!

Porque não me manifesto, nem pretendo fazê-lo muitas vezes (se é que  
farei de novo): porque todos nós temos ideias e sugestões para  
solução, mas ficar discutindo e não colocá-las em prática é o mesmo  
que nada (esse é minha opinião). Antes de mais nada, espero ser justo  
(e quando não o for, pois todos erram, que seja por ignorância e  
desconhecimento, mas não intencionalmente). Honesto, acredito que sou.  
Então, tento dedicar o meu tempo aos alunos, que são aqueles que  
poderão fazer algo no futuro para resolver este problema e eu (nós)  
sou (somos) quem tem a obrigação de fazer algo no presente para  
resolvê-lo! Não adianta transferir o problema para os outros.

Resumindo: Não sei, mas os resultados do PISA não me convencem (do  
ponto de vista de ensino), no sentido comparativo entre países. Tão  
pouco não acho que o PISA não é útil (tenho plena certeza que é uma  
informação importante). Não que eu ache que aqui está uma maravilha,  
mas é para se pensar que a Europa e os Estados unidos estão sempre bem  
(não apenas no PISA, como em outros muitos indicadores). Quem faz a  
metodologia? quem tem o poder econômico? Isso tudo parece colocar a  
raposa para proteger os coelhos.


Abraços,

adriano.




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