[ABE-L] DaMatta de hoje

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Qua Ago 29 11:15:05 -03 2018


Resolvi copiar para vocês, redistas, o artigo de Roberto DaMatta do  
estadão e do globo de hoje.
Interessante a visão dos dois amigos.
Carlinhos

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As perplexidades do professor Moneygrand
Roberto DaMatta, O Estado de S.Paulo
29 Agosto 2018 | 02h00

Richard Moneygrand, mestre epormérito de Ciências Humanas da New  
Caledonia University, está em Niterói. Numa entrevista exclusiva, ele  
revela suas perplexidades diante do Brasil magnetizado e carnavalizado  
pelo processo eleitoral.
O professor começa advertindo que todo país vive os mesmos problemas  
porque repete as mesmas receitas para resolvê-los.
- “A incapacidade de perceber a mudança e provocá-la é quase sempre  
uma repetição castradora”, resume. “No caso brasileiro, a igualdade  
produz dilemas. Para muitos, ela é o DNA da democracia; para outros,  
uma ilusão. Vocês falam muito mais em direitos do que em deveres”,  
adverte. “Sei que não é fácil acabar com privilégios numa sociedade  
modelada por regalias e pelo ideal de ‘não fazer nada’. Entendo e  
espero, contudo, que isso esteja mudando. Observo que as promessas  
eleitorais começam a focar que emprego (sobretudo o emprego público)  
não pode mais excluir competência e trabalho. ”

- “No passado, os problemas brasileiros eram explicados pelo  
reducionismo racista-evolucionista. A mestiçagem era lida como uma  
doença. Ainda hoje há resistências a admitir que os problemas  
brasileiros têm raiz numa matriz histórica aristocrática, dinamizada  
por patriarcalismo e trabalho escravo de origem africana. Transitar de  
uma monarquia que foi centro do império português para uma república  
com essa carga de instituições, não é fácil. Mas vocês se convenceram  
que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Estado e em programas  
por ele administrados. A mudança viria de fora da sociedade e dos seus  
costumes, como se o Estado fosse administrado por marcianos e não por  
vossos amigos, parentes e partidários. Disso resulta ‘estado-latria’,  
‘estado-patia’ e ‘estado-mania’ - um entendimento ingênuo que ignora a  
força dos costumes e das éticas dadas nas relações focos de  
transformação. O mundo da ‘rua’ só vai mudar quando incluir a ‘casa’,  
como você diz num dos seus livros não lidos”, complementou.
- “A decepção contemporânea é paralela à descoberta de que sem uma  
crítica das práticas sociais que governam o todo, direita e esquerda  
se dissolvem numa aristocracia governamental à custa da sociedade.  
Ideologias políticas definidas - com ou sem mercado - não liquidam a  
força de uma ética de reciprocidade que concilia compromissos opostos,  
desmoralizando instituições e partidos. O triunfo da ‘política’ foi  
irônico: a esquerda no poder não só criou suas linhagens, mas  
reproduziu a direita e governou como ela, com a roubalheira típica da  
consciência de que ‘agora é a nossa vez! ’”

- “Minha outra perplexidade é ver como os candidatos enfatizam o  
politiques e o economês. É como se a evolução política fosse feita a  
partir somente de uma discussão dos regimes e modelos financeiros, sem  
aprofundar as raízes sociais da corrupção. De que vale uma democracia  
com um presidente que resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo,  
como se dizia antigamente? De que vale um socialismo feito de  
compadrios? Ninguém deseja acabar com os amigos. O que está em jogo,  
porém, é o limite da amizade e das suas implicações na cultura  
brasileira. ”
- Acho tudo isso um exagero...
- “Max Weber” - retrucou Dick - “dizia que fazer sociologia é exagerar.”
- “Deixe-me mencionar mais uma perplexidade”, solicitou Moneygrand,  
dando uma golada no meu parco uísque.
- “Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos  
candidatos solucionam o ‘Brasil’. Não é um milagre da retórica  
política que o papel de candidato revele enfaticamente somente o seu  
lado messiânico? E que nenhum fale em dificuldades, obstáculos e  
resistências? Soluções fáceis não seriam sintomas de promessas que  
vocês gostam de ouvir para, em seguida, vê-las desfeitas por  
administrações execráveis? ”
- “Até onde vocês vão continuar entregando o Brasil a ‘políticos’ que  
vocês amam e odeiam, em vez de com eles governar? Acho que já é tempo  
de vocês compreenderem que democracia dá trabalho justamente porque  
ela renova seus governantes, temporariamente. ” Falou o professor,  
liquidando meu uísque.


-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





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