[ABE-L] RES: DaMatta de hoje

Luiz Sergio Vaz 400373 em sarah.br
Qui Ago 30 08:39:54 -03 2018


Muito boa a entrevista, Professor. É um belo sacode... 

-----Mensagem original-----
De: abe [mailto:abe-bounces em lists.ime.usp.br] Em nome de Carlos Alberto de Bragança Pereira
Enviada em: quarta-feira, 29 de agosto de 2018 11:15
Para: abe-l em ime.usp.br
Assunto: [ABE-L] DaMatta de hoje


Resolvi copiar para vocês, redistas, o artigo de Roberto DaMatta do estadão e do globo de hoje.
Interessante a visão dos dois amigos.
Carlinhos

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As perplexidades do professor Moneygrand Roberto DaMatta, O Estado de S.Paulo
29 Agosto 2018 | 02h00

Richard Moneygrand, mestre epormérito de Ciências Humanas da New Caledonia University, está em Niterói. Numa entrevista exclusiva, ele revela suas perplexidades diante do Brasil magnetizado e carnavalizado pelo processo eleitoral.
O professor começa advertindo que todo país vive os mesmos problemas porque repete as mesmas receitas para resolvê-los.
- “A incapacidade de perceber a mudança e provocá-la é quase sempre uma repetição castradora”, resume. “No caso brasileiro, a igualdade produz dilemas. Para muitos, ela é o DNA da democracia; para outros, uma ilusão. Vocês falam muito mais em direitos do que em deveres”, adverte. “Sei que não é fácil acabar com privilégios numa sociedade modelada por regalias e pelo ideal de ‘não fazer nada’. Entendo e espero, contudo, que isso esteja mudando. Observo que as promessas eleitorais começam a focar que emprego (sobretudo o emprego público) não pode mais excluir competência e trabalho. ”

- “No passado, os problemas brasileiros eram explicados pelo reducionismo racista-evolucionista. A mestiçagem era lida como uma doença. Ainda hoje há resistências a admitir que os problemas brasileiros têm raiz numa matriz histórica aristocrática, dinamizada por patriarcalismo e trabalho escravo de origem africana. Transitar de uma monarquia que foi centro do império português para uma república com essa carga de instituições, não é fácil. Mas vocês se convenceram que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Estado e em programas por ele administrados. A mudança viria de fora da sociedade e dos seus costumes, como se o Estado fosse administrado por marcianos e não por vossos amigos, parentes e partidários. Disso resulta ‘estado-latria’, ‘estado-patia’ e ‘estado-mania’ - um entendimento ingênuo que ignora a força dos costumes e das éticas dadas nas relações focos de transformação. O mundo da ‘rua’ só vai mudar quando incluir a ‘casa’, como você diz num dos seus livros não lidos”, complementou.
- “A decepção contemporânea é paralela à descoberta de que sem uma crítica das práticas sociais que governam o todo, direita e esquerda se dissolvem numa aristocracia governamental à custa da sociedade.  
Ideologias políticas definidas - com ou sem mercado - não liquidam a força de uma ética de reciprocidade que concilia compromissos opostos, desmoralizando instituições e partidos. O triunfo da ‘política’ foi
irônico: a esquerda no poder não só criou suas linhagens, mas reproduziu a direita e governou como ela, com a roubalheira típica da consciência de que ‘agora é a nossa vez! ’”

- “Minha outra perplexidade é ver como os candidatos enfatizam o politiques e o economês. É como se a evolução política fosse feita a partir somente de uma discussão dos regimes e modelos financeiros, sem aprofundar as raízes sociais da corrupção. De que vale uma democracia com um presidente que resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo, como se dizia antigamente? De que vale um socialismo feito de compadrios? Ninguém deseja acabar com os amigos. O que está em jogo, porém, é o limite da amizade e das suas implicações na cultura brasileira. ”
- Acho tudo isso um exagero...
- “Max Weber” - retrucou Dick - “dizia que fazer sociologia é exagerar.”
- “Deixe-me mencionar mais uma perplexidade”, solicitou Moneygrand, dando uma golada no meu parco uísque.
- “Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos candidatos solucionam o ‘Brasil’. Não é um milagre da retórica política que o papel de candidato revele enfaticamente somente o seu lado messiânico? E que nenhum fale em dificuldades, obstáculos e resistências? Soluções fáceis não seriam sintomas de promessas que vocês gostam de ouvir para, em seguida, vê-las desfeitas por administrações execráveis? ”
- “Até onde vocês vão continuar entregando o Brasil a ‘políticos’ que vocês amam e odeiam, em vez de com eles governar? Acho que já é tempo de vocês compreenderem que democracia dá trabalho justamente porque ela renova seus governantes, temporariamente. ” Falou o professor, liquidando meu uísque.


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Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo


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