[ABE-L] Usos e abusos dos números

Alexandre Galvão Patriota patriota.alexandre em gmail.com
Sex Dez 22 17:23:58 -03 2017


Oi Elias ,

"me parece claro que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que
diminuir a pobreza." Nessa frase, "diminuir a desigualdade" significa
apenas diminuir a lacuna entre o mínimo e o máximo. A principio, isso não
tem nada a ver com manter a média fixa. Ilustro abaixo dois casos.

Distribuição de renda (caso com baixa desigualdade):
B: --[--]--------------------------

Distribuição de renda (caso com alta desigualdade):
A: ----------------[-------------]--

Claro que tem todos os outros casos que não foram citados (alta
desigualdade e muitos pobres, baixa desigualdade e poucos pobres). Há
politicas econômicas cujo objetivo principal é diminuir a desigualdade
punindo os mais ricos (proposta por neo-marxistas como Piketty, por
exemplo). Há políticas econômicas que se preocupam em diminuir a pobreza
pouco se importando com a desigualdade (proposta por economistas austríacos
e outros), e assim por diante.


Denise,

Muito interessante os gráficos.

Seria interessante ver o que aconteceria na renda familiar das pessoas mais
pobres, se o Estado aumentasse significativamente a qualidade do ensino
básico (fundamental e médio). Por exemplo, professores com bacharelado na
área, algumas poucas disciplinas da pedagogia (e não o inverso como é feito
hoje) e um bom mestrado, como a Finlândia faz. Os dados do ENADE mostram
claramente que os alunos de licenciatura em matemática sabem menos sobre a
matéria do que os alunos de bacharelado. Talvez o problema realmente esteja
no ensino superior, mas não do jeito que muitos estão pensando...


2017-12-22 16:23 GMT-02:00 Denise Britz do Nascimento Silva <
denisebritz em gmail.com>:

> Alexandre  e Hedibert
>
> é verdade que podemos diminuir a desigualdade sem reduzir a pobreza, ou
> podemos manter a desigualdade mesmo ficando todos em pior situação
> econômica.
>
> Para contribuir no debate, peço que vejam o gráfico 4.8 da publicação
> Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2016 - que compara o acesso dos
> estudantes mais pobres ao ensino público superior ( que reproduzo abaixo).
>
> https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
>
> O gráfico indica que, ao considerar a distribuição do rendimento
> domiciliar per capita de estudantes da rede pública de ensino superior,   a
> parcela proveniente das famílias mais pobres aumentou ao longo de 10 anos,
> fornecendo evidência de que a população de estudantes do ensino público
> superior  é composta proporcionalmente de mais jovens de famílias com menos
> recursos financeiros (que estão conseguindo alcançar o ensino superior
> público) .
>
> Ao mesmo tempo, o gráfico 6.3 indica uma leve tendência da renda
> domiciliar per capita mediana (todos os valores corrigidos pela inflação
> para base 2015). Deve-se também reconhecer a queda de 2014 para 2015.
> Adicionalmente,  o gráfico 6.4 indica que a parcela da população com
> rendimento domiciliar per capita mais baixo diminui, se deslocando para
> estratos de rendimento superiores adjacentes (mas também houve leve queda
> nos estrato superior).
>
> Acredito que, unindo as evidências, ainda  é possível concluir que, de
> 2005 a 2015, as famílias brasileiras não ficaram mais pobres, houve aumento
> real de rendimento. Acho então que as famílias dos estudantes não ficaram
> mais pobres, entretanto mais estudantes de famílias pobres alcançaram o
> ensino superior, indicando  mudança de composição da população de
> estudantes do ensino superior público.
>
> Lembro que os dados referem-se à década 2005-2015.
>
> Abraços e seguem os gráficos.
> Denise
>
>
> [image: Imagem inline 1]
>
> [image: Imagem inline 2]
>
> [image: Imagem inline 3]
>
> Em 22 de dezembro de 2017 14:05, Alexandre Galvão Patriota <
> patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:
>
>> Parabéns ao Hedibert e a Tatiana pelo artigo.
>>
>> Sobre o último parágrafo:
>>
>> ``Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público,
>> já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
>> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
>> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
>> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
>> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
>> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
>> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.´´
>>
>> Corrijam-me se eu estiver errado, mas: se o percentual de estudantes com
>> renda familiar entre [0,3] aumentou 27% e o percentual de estudantes com
>> renda familiar entre [7,inf) diminuiu 37%, então podemos afirmar que em um
>> certo sentido as famílias dos estudantes estão *mais* pobres. Não quero
>> entrar nos detalhes filosóficos das teorias econômicas, mas me parece claro
>> que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza.
>>
>>
>>
>> 2017-12-22 9:22 GMT-02:00 Hedibert Lopes <hedibert em gmail.com>:
>>
>>> Usos e abusos dos números
>>> Por Hedibert Lopes e Tatiana Roque
>>>
>>> http://www.valor.com.br/opiniao/5235489/usos-e-abusos-dos-numeros
>>>
>>> A regressividade dos gastos com ensino superior público é apontada
>>> frequentemente como justificativa para a cobrança de mensalidades. O
>>> relatório recente do Banco Mundial afirma, por exemplo, que 65% dos
>>> estudantes das universidades federais estão entre os 40% mais ricos. Quem
>>> são esses "mais ricos"?
>>>
>>> Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 mostram
>>> que nesse grupo de 40% "mais ricos" estão pessoas com renda per capita
>>> média de R$ 960,00. O Banco Mundial não define a partir de que renda se
>>> pode designar um grupo como o dos mais ricos, nem justifica o foco nos 40%.
>>> Poderíamos selecionar os 30% mais ricos, que ganham acima de R$ 1.200,00;
>>> ou os 20%, que ganham acima de R$ 1.700,00. A renda média desses grupos
>>> difere pouco. De fato, a distância só aumenta quando selecionamos os 10%
>>> mais ricos.
>>>
>>> Suponhamos que fossem cobradas mensalidades dos estudantes que realmente
>>> têm condições de pagar, escalonadas de acordo com a renda. Usando os dados
>>> da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
>>> Superior (Andifes), verificamos que 81% dos estudantes vêm de famílias com
>>> renda bruta familiar inferior a R$ 6.500,00, logo não poderiam pagar. Na
>>> faixa de renda familiar bruta entre R$ 6.500,00 e R$ 9.300,00 estão 9% dos
>>> estudantes (de um total de aproximadamente 1 milhão, somando-se todas as
>>> universidades federais do país). Superestimando a capacidade de desembolso
>>> em 15%, essas famílias pagariam uma mensalidade de R$ 1.200,00, perfazendo
>>> R$ 1,3 bilhão no total. Já a faixa com renda familiar bruta acima de R$
>>> 9.300,00 compreende 10% dos estudantes, mas é preciso analisar
>>> detalhadamente a distribuição de renda nessa faixa.
>>>
>>> O estudo da desigualdade feito pela Oxfam mostra que, no topo da
>>> população, reproduz-se a aberrante desigualdade brasileira: as famílias 10%
>>> mais ricas têm rendimentos médios de R$ 18.000,00, sendo o rendimento médio
>>> das famílias 1% mais ricas de R$ 160 mil. Logo, mantendo nossa estimativa
>>> do valor da mensalidade em 15% da renda familiar, obtemos que 9% dos
>>> estudantes pagariam R$ 2.700. Já os 1% mais ricos pagariam R$ 4 mil - o
>>> valor da mensalidade nas melhores universidades privadas. Somando-se, ao
>>> fim, todas as mensalidades possíveis, chegamos a um total de R$ 4,7
>>> bilhões, ou seja, em torno de 11% do orçamento anual das universidades
>>> federais (de R$ 41 bilhões). Devemos lembrar, contudo, que é necessário
>>> subtrair desse percentual o custo de se verificar quem pode ou não pagar
>>> (uma operação complexa), além do custo de administrar a cobrança. Na
>>> verdade, implementar medidas para melhorar a administração da universidade
>>> - o que não contradiz seu caráter público - poderia ser bem mais efetivo.
>>>
>>> Resumindo, cobrar mensalidades ajudaria pouco a enxugar o orçamento
>>> público e o Banco Mundial parece ter forçado os números para nos convencer
>>> do contrário. O cerne da disputa está nas faixas intermediárias, que nem
>>> podem realmente pagar nem entram na categoria de pobres (para fazer jus a
>>> bolsas). A solução ventilada para esse grupo de renda média é o crédito,
>>> que já mostrou efeitos perversos nos EUA e na Inglaterra, levando a um
>>> grave endividamento de estudantes - comprometendo o futuro de jovens que
>>> sequer ingressaram no mercado de trabalho.
>>>
>>> Do ponto de vista matemático, o problema é que a curva de distribuição
>>> de renda no Brasil é extremamente assimétrica (quase linear até o decil
>>> mais alto), em nada semelhante a uma curva normal.
>>>
>>> Dito de modo menos técnico, as faixas de renda intermediárias dos
>>> brasileiros são muito similares - e excessivamente baixas. Isso torna pouco
>>> rigorosa a separação entre "mais ricos" e "mais pobres", sob o risco de
>>> distinguir quem ganha R$ 960 por mês de quem ganha R$ 800. Só um critério
>>> qualitativo pode estabelecer a partir de que renda alguém pode ser
>>> considerado "não pobre".
>>>
>>> É positiva a tendência de analisar políticas públicas usando
>>> estatísticas. Deve-se tomar cuidado, todavia, com a dissociação entre
>>> informações quantitativas e qualitativas. A postura científica aconselha o
>>> uso de estatísticas para confirmar ou refutar perguntas em aberto. Mas as
>>> definições dos termos do problema, com impactos sociais significativos,
>>> precisam levar em conta o ideal de sociedade que se quer construir.
>>>
>>> Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já
>>> temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
>>> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
>>> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
>>> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
>>> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
>>> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
>>> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.
>>>
>>> Hedibert Lopes é professor titular de Estatística e Econometria do
>>> Insper e foi Professor da Booth School of Business da Universidade de
>>> Chicago
>>>
>>> Tatiana Roque é professora do Instituto de Matemática da UFRJ e foi
>>> presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ)
>>>
>>>
>>>
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>> --
>> Prof. Dr. Alexandre G. Patriota,
>> Department of Statistics,
>> Institute of Mathematics and Statistics,
>> University of São Paulo, Brazil.
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