[ABE-L] Usos e abusos dos números

Basilio de Bragança Pereira basilio em hucff.ufrj.br
Sex Dez 22 17:56:10 -03 2017


Alerto a vocês recente relatório de economistas do Banco Mundial
(inclusive  discurso da presidente) que afirmam que crescimento de um pais
depende de diminuir a desigualdade.
Estatísticos precisam deixar de ser técnicos e virar cientistas. Hediberth
deu um bonito exemplo disto.
Basiliio

Em 22 de dezembro de 2017 17:23, Alexandre Galvão Patriota <
patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:

> Oi Elias ,
>
> "me parece claro que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que
> diminuir a pobreza." Nessa frase, "diminuir a desigualdade" significa
> apenas diminuir a lacuna entre o mínimo e o máximo. A principio, isso não
> tem nada a ver com manter a média fixa. Ilustro abaixo dois casos.
>
> Distribuição de renda (caso com baixa desigualdade):
> B: --[--]--------------------------
>
> Distribuição de renda (caso com alta desigualdade):
> A: ----------------[-------------]--
>
> Claro que tem todos os outros casos que não foram citados (alta
> desigualdade e muitos pobres, baixa desigualdade e poucos pobres). Há
> politicas econômicas cujo objetivo principal é diminuir a desigualdade
> punindo os mais ricos (proposta por neo-marxistas como Piketty, por
> exemplo). Há políticas econômicas que se preocupam em diminuir a pobreza
> pouco se importando com a desigualdade (proposta por economistas austríacos
> e outros), e assim por diante.
>
>
> Denise,
>
> Muito interessante os gráficos.
>
> Seria interessante ver o que aconteceria na renda familiar das pessoas
> mais pobres, se o Estado aumentasse significativamente a qualidade do
> ensino básico (fundamental e médio). Por exemplo, professores com
> bacharelado na área, algumas poucas disciplinas da pedagogia (e não o
> inverso como é feito hoje) e um bom mestrado, como a Finlândia faz. Os
> dados do ENADE mostram claramente que os alunos de licenciatura em
> matemática sabem menos sobre a matéria do que os alunos de bacharelado.
> Talvez o problema realmente esteja no ensino superior, mas não do jeito que
> muitos estão pensando...
>
>
> 2017-12-22 16:23 GMT-02:00 Denise Britz do Nascimento Silva <
> denisebritz em gmail.com>:
>
>> Alexandre  e Hedibert
>>
>> é verdade que podemos diminuir a desigualdade sem reduzir a pobreza, ou
>> podemos manter a desigualdade mesmo ficando todos em pior situação
>> econômica.
>>
>> Para contribuir no debate, peço que vejam o gráfico 4.8 da publicação
>> Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2016 - que compara o acesso dos
>> estudantes mais pobres ao ensino público superior ( que reproduzo abaixo).
>>
>> https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
>>
>> O gráfico indica que, ao considerar a distribuição do rendimento
>> domiciliar per capita de estudantes da rede pública de ensino superior,   a
>> parcela proveniente das famílias mais pobres aumentou ao longo de 10 anos,
>> fornecendo evidência de que a população de estudantes do ensino público
>> superior  é composta proporcionalmente de mais jovens de famílias com menos
>> recursos financeiros (que estão conseguindo alcançar o ensino superior
>> público) .
>>
>> Ao mesmo tempo, o gráfico 6.3 indica uma leve tendência da renda
>> domiciliar per capita mediana (todos os valores corrigidos pela inflação
>> para base 2015). Deve-se também reconhecer a queda de 2014 para 2015.
>> Adicionalmente,  o gráfico 6.4 indica que a parcela da população com
>> rendimento domiciliar per capita mais baixo diminui, se deslocando para
>> estratos de rendimento superiores adjacentes (mas também houve leve queda
>> nos estrato superior).
>>
>> Acredito que, unindo as evidências, ainda  é possível concluir que, de
>> 2005 a 2015, as famílias brasileiras não ficaram mais pobres, houve aumento
>> real de rendimento. Acho então que as famílias dos estudantes não ficaram
>> mais pobres, entretanto mais estudantes de famílias pobres alcançaram o
>> ensino superior, indicando  mudança de composição da população de
>> estudantes do ensino superior público.
>>
>> Lembro que os dados referem-se à década 2005-2015.
>>
>> Abraços e seguem os gráficos.
>> Denise
>>
>>
>> [image: Imagem inline 1]
>>
>> [image: Imagem inline 2]
>>
>> [image: Imagem inline 3]
>>
>> Em 22 de dezembro de 2017 14:05, Alexandre Galvão Patriota <
>> patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:
>>
>>> Parabéns ao Hedibert e a Tatiana pelo artigo.
>>>
>>> Sobre o último parágrafo:
>>>
>>> ``Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público,
>>> já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
>>> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
>>> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
>>> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
>>> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
>>> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
>>> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.´´
>>>
>>> Corrijam-me se eu estiver errado, mas: se o percentual de estudantes com
>>> renda familiar entre [0,3] aumentou 27% e o percentual de estudantes com
>>> renda familiar entre [7,inf) diminuiu 37%, então podemos afirmar que em um
>>> certo sentido as famílias dos estudantes estão *mais* pobres. Não quero
>>> entrar nos detalhes filosóficos das teorias econômicas, mas me parece claro
>>> que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza.
>>>
>>>
>>>
>>> 2017-12-22 9:22 GMT-02:00 Hedibert Lopes <hedibert em gmail.com>:
>>>
>>>> Usos e abusos dos números
>>>> Por Hedibert Lopes e Tatiana Roque
>>>>
>>>> http://www.valor.com.br/opiniao/5235489/usos-e-abusos-dos-numeros
>>>>
>>>> A regressividade dos gastos com ensino superior público é apontada
>>>> frequentemente como justificativa para a cobrança de mensalidades. O
>>>> relatório recente do Banco Mundial afirma, por exemplo, que 65% dos
>>>> estudantes das universidades federais estão entre os 40% mais ricos. Quem
>>>> são esses "mais ricos"?
>>>>
>>>> Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 mostram
>>>> que nesse grupo de 40% "mais ricos" estão pessoas com renda per capita
>>>> média de R$ 960,00. O Banco Mundial não define a partir de que renda se
>>>> pode designar um grupo como o dos mais ricos, nem justifica o foco nos 40%.
>>>> Poderíamos selecionar os 30% mais ricos, que ganham acima de R$ 1.200,00;
>>>> ou os 20%, que ganham acima de R$ 1.700,00. A renda média desses grupos
>>>> difere pouco. De fato, a distância só aumenta quando selecionamos os 10%
>>>> mais ricos.
>>>>
>>>> Suponhamos que fossem cobradas mensalidades dos estudantes que
>>>> realmente têm condições de pagar, escalonadas de acordo com a renda. Usando
>>>> os dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
>>>> Ensino Superior (Andifes), verificamos que 81% dos estudantes vêm de
>>>> famílias com renda bruta familiar inferior a R$ 6.500,00, logo não poderiam
>>>> pagar. Na faixa de renda familiar bruta entre R$ 6.500,00 e R$ 9.300,00
>>>> estão 9% dos estudantes (de um total de aproximadamente 1 milhão,
>>>> somando-se todas as universidades federais do país). Superestimando a
>>>> capacidade de desembolso em 15%, essas famílias pagariam uma mensalidade de
>>>> R$ 1.200,00, perfazendo R$ 1,3 bilhão no total. Já a faixa com renda
>>>> familiar bruta acima de R$ 9.300,00 compreende 10% dos estudantes, mas é
>>>> preciso analisar detalhadamente a distribuição de renda nessa faixa.
>>>>
>>>> O estudo da desigualdade feito pela Oxfam mostra que, no topo da
>>>> população, reproduz-se a aberrante desigualdade brasileira: as famílias 10%
>>>> mais ricas têm rendimentos médios de R$ 18.000,00, sendo o rendimento médio
>>>> das famílias 1% mais ricas de R$ 160 mil. Logo, mantendo nossa estimativa
>>>> do valor da mensalidade em 15% da renda familiar, obtemos que 9% dos
>>>> estudantes pagariam R$ 2.700. Já os 1% mais ricos pagariam R$ 4 mil - o
>>>> valor da mensalidade nas melhores universidades privadas. Somando-se, ao
>>>> fim, todas as mensalidades possíveis, chegamos a um total de R$ 4,7
>>>> bilhões, ou seja, em torno de 11% do orçamento anual das universidades
>>>> federais (de R$ 41 bilhões). Devemos lembrar, contudo, que é necessário
>>>> subtrair desse percentual o custo de se verificar quem pode ou não pagar
>>>> (uma operação complexa), além do custo de administrar a cobrança. Na
>>>> verdade, implementar medidas para melhorar a administração da universidade
>>>> - o que não contradiz seu caráter público - poderia ser bem mais efetivo.
>>>>
>>>> Resumindo, cobrar mensalidades ajudaria pouco a enxugar o orçamento
>>>> público e o Banco Mundial parece ter forçado os números para nos convencer
>>>> do contrário. O cerne da disputa está nas faixas intermediárias, que nem
>>>> podem realmente pagar nem entram na categoria de pobres (para fazer jus a
>>>> bolsas). A solução ventilada para esse grupo de renda média é o crédito,
>>>> que já mostrou efeitos perversos nos EUA e na Inglaterra, levando a um
>>>> grave endividamento de estudantes - comprometendo o futuro de jovens que
>>>> sequer ingressaram no mercado de trabalho.
>>>>
>>>> Do ponto de vista matemático, o problema é que a curva de distribuição
>>>> de renda no Brasil é extremamente assimétrica (quase linear até o decil
>>>> mais alto), em nada semelhante a uma curva normal.
>>>>
>>>> Dito de modo menos técnico, as faixas de renda intermediárias dos
>>>> brasileiros são muito similares - e excessivamente baixas. Isso torna pouco
>>>> rigorosa a separação entre "mais ricos" e "mais pobres", sob o risco de
>>>> distinguir quem ganha R$ 960 por mês de quem ganha R$ 800. Só um critério
>>>> qualitativo pode estabelecer a partir de que renda alguém pode ser
>>>> considerado "não pobre".
>>>>
>>>> É positiva a tendência de analisar políticas públicas usando
>>>> estatísticas. Deve-se tomar cuidado, todavia, com a dissociação entre
>>>> informações quantitativas e qualitativas. A postura científica aconselha o
>>>> uso de estatísticas para confirmar ou refutar perguntas em aberto. Mas as
>>>> definições dos termos do problema, com impactos sociais significativos,
>>>> precisam levar em conta o ideal de sociedade que se quer construir.
>>>>
>>>> Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público,
>>>> já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de
>>>> estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao
>>>> passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas
>>>> ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser
>>>> medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e
>>>> aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos
>>>> formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.
>>>>
>>>> Hedibert Lopes é professor titular de Estatística e Econometria do
>>>> Insper e foi Professor da Booth School of Business da Universidade de
>>>> Chicago
>>>>
>>>> Tatiana Roque é professora do Instituto de Matemática da UFRJ e foi
>>>> presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ)
>>>>
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>>>>
>>>> _______________________________________________
>>>> abe mailing list
>>>> abe em lists.ime.usp.br
>>>> https://lists.ime.usp.br/listinfo/abe
>>>>
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>>>
>>> --
>>> Prof. Dr. Alexandre G. Patriota,
>>> Department of Statistics,
>>> Institute of Mathematics and Statistics,
>>> University of São Paulo, Brazil.
>>>
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> Prof. Dr. Alexandre G. Patriota,
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>


-- 
Basilio de Bragança Pereira,MSc and DL(COPPE) DIC and PhD(Imperial
College).
UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro
Professor Emérito
(Bioestatística -Faculdade de Medicina e Estatística Aplicada -COPPE).
Coordenador Substituto do Programa de Pós Graduação de Cardiologia
*ICES -Instituto do Coração Edson Saad , HUCFF-Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho.
*Tel: 55 21 3938-7045/6225

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783624H9
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*Mail Address:
Programa de Engenharia de Produção -
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CEP 21941-972 Rio de Janeiro,RJ
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