[ABE-L] Silvano Raia e sua reflexão sobre longevidade

Carlos Alberto de Bragança Pereira cpereira em ime.usp.br
Seg Dez 24 08:23:06 -03 2018


Esse ano não foi dos mais fáceis para mim e pensei ter sido pelo fato  
de minha idade estar avançada e eu aposentado.  No lado da  
produtividade "científica" ou acadêmica (não sei bem sobre a  
classificação) creio que foi ótima quando comparado com meus pares.   
Por sugestão de um querido colega do ime me candidatei (que pretensão,  
não?) à uma vaga para dirigir um instituto da FGV. Inesperadamente,  
devido as circustâncias da concorrência, fui convidado para uma  
entrevista.  Lá estavam um de nossos ídolos, Professor Maurício  
Peixoto, e outros dois conhecidos nem menos importantes, Professor  
Krieger e Professor Lindolfo.  Isso mesmo, 97, 93 e 89 anos as idades  
dos nossos 3 ídolos.  Não me perguntem o que estariam fazendo em uma  
banca da FGV.  Devo acrescentar que fosse eu membro daquela banca  
também optaria pelo outro candodato, por diversas razões.  A razão de  
minha surpresa foi a de que nenhum dos 3 era membro da FGV.

Outra surpresa, produzindo em mim indignidade, fui rebaixado no cnpq.   
A explicação, que entendi, foi a de que eu já era pesquisador por  
muitos anos, desde 1981. Sobre a produtividade científica, depois  
conferir os índices eu era o de maior índice, se  não olharmos os  
números do google onde perdi apenas para um membro, o qual não era  
nosso representante no comitê.  Note que no google vale auto citação e  
capítulo de livros.  Um fato importatne é que depois que publiquei os  
indices de produtividade de todos os pesquisadores da esttítica de  
nível 1, o numero de citações do ISI (web of science) e scopos  
desapareceram do Lattes (pelo menos na matemática). Já não poderei  
mais comparar para poder ter uma avaliação objetiva de produtividade.   
Por sorte, eu fiz a tabelinha comparativa no mês de setembro, antes de  
retirrem as informações do Lattes.  É só pdir que envio a  tabelinha  
com todos os nomes e valores dos índices.

Então hoje, Silvano Raia publica um belo artigo sobre longevidade no  
estadão.  Sivano tem 88 anos! Vale a pena conferir.  Fiquei mais  
esperançoso com o fato de poder olhar meus restantes anos de vida de  
forma menos negativa.

Reflexões sobre longevidade

Devemos ter presente a importância que nossos atos representam para os  
mais jovens
Silvano Raia, O Estado de S.Paulo
24 Dezembro 2018 | 03h00


Completados 88 anos e motivado pelo espírito de Natal, permito-me  
tecer algumas considerações sobre longevidade lúcida e sobre o  
significado e melhor uso do tempo adicional que nos oferece. E o faço  
na esperança de que possam ser úteis aos mais jovens, nesta época em  
que chegar aos 100 anos deixou de ser uma exceção para constituir uma  
boa probabilidade.

Viveremos mais que nossos pais. Nossos filhos viverão mais do que nós.  
Uma criança nascida hoje no Ocidente tem mais de 50% de chance de  
viver até 105 anos, enquanto somente 1% das nascidas há cem anos  
tinham esse horizonte.

Essa nova perspectiva de vida determina modificações importantes para  
as quais não estamos preparados, justificando esforços para melhor  
compreendê-las. Vivendo mais tempo do que prevíamos, criam-se espaços  
cujo preenchimento deve merecer reflexão.

De fato, os anos adicionais podem constituir um grande benefício ou  
uma maldição. Thomas Hobbes descreveu a vida como feia, brutal e  
curta. Pior do que isso, dizia ele, somente uma vida feia, brutal e  
longa. Devemos, então, estar preparados para usar esse período  
adicional a nosso favor como uma dádiva, e não como um castigo.

A longevidade determina uma modificação, às vezes radical, na nossa  
maneira de agir, o que se reflete na estruturação de toda a sociedade.  
Minha geração estudou até os 20/30 anos e depois desse período aplicou  
seus conhecimentos durante outros 30. Hoje, se continuarmos adotando  
esse hábito, estaremos aos 50/60 completamente desatualizados por  
causa do geométrico progresso que caracteriza as últimas décadas.

Felizmente, porém, estamos aprendendo que, com planejamento adequado,  
uma vida mais longa pode oferecer muitas possibilidades inéditas. O  
centro da questão é como usar o tempo adicional. Como o preenchemos é  
fundamental para que o acréscimo de tempo de vida tenha uma qualidade  
que justifique vivê-la.
Lynda Gratton e Andrew Scott, no seu recente livro The 100 Year Life,  
comentam que temos duas vidas. A segunda começa quando percebemos que  
só temos uma. Nesse momento nos damos conta de que a partir da sexta  
década se inverte a importância das nossas responsabilidades em  
relação ao mundo que nos cerca.
Diminuem as obrigações para com a família, agora já constituída e  
independente, surgindo um espaço adicional para o convívio com os mais  
jovens, com os amigos e para o trabalho.

Para bem administrar essa mudança devemos analisar as experiências já  
vividas, evitando a repetição de erros e programando nossa atividade  
em base da percepção da nova realidade que se nos apresenta. A  
sensação é de estar subindo uma montanha, o que nos permite ampliar  
cada vez mais nosso ângulo de visão, como se tudo e todos passassem a  
ser observados através de uma lente grande-angular.

É natural, assim, que exerçamos nossa atividade em campos de atuação  
cada vez mais amplos, modificando nossas prioridades, nossos objetivos  
e a nossa maneira de agir. Mas mais do que tudo, ao fazê-lo, todos  
nós, longevos, devemos ter presente a importância que nossos atos  
representam para os mais jovens.

Nunca como agora foi fundamental transmitir a eles noções de ética,  
honestidade e respeito aos direitos humanos, valores que, no conjunto,  
constituem a base do convívio humano. Agora a transmissão desses  
princípios adquire maior importância por duas razões: de um lado, a  
necessidade de eles tomarem posição diante de questões decorrentes do  
progresso em geral e, de outro, à falta completa de esclarecimentos  
sobre esses temas na mídia digital, que representa sua principal fonte  
de informação.

A nossa conduta se constitui cada vez mais em exemplo, o que, sob  
certo aspecto, nos confere a todos o papel de professores. A  
importância dessa função foi valorizada recentemente por  
neurofisiologistas italianos. Identificaram um núcleo na região  
temporal do cérebro, por eles denominado núcleo do espelho. Por  
ressonância magnética funcional demonstraram que esse núcleo, de  
início, registra cada movimento, cada ação e mesmo cada estado de  
espírito percebidos pela primeira vez e quando solicitados mais tarde  
entram em função novamente para comandar a repetição idêntica dos atos  
anteriormente registrados. Documentaram assim o aprendizado por  
mimetismo.

A transmissão de conceitos éticos para as gerações que nos sucedem  
ganha particular importância pelos dilemas que atualmente o progresso  
lhes apresenta. Principalmente os criados pela engenharia genética. A  
recente descoberta de uma técnica denominada CRISPR-Cas9 permite com  
facilidade e rapidez modificar o genoma de seres vivos, dele  
subtraindo ou adicionando genes isolados. De um lado, abrem  
perspectivas inéditas para o tratamento e a prevenção de doenças  
hereditárias, mas, de outro, criam possibilidades estarrecedoras. Há  
poucos dias um grupo de cientistas chineses submeteu os resultados de  
uma pesquisa inédita ao II Congresso Internacional sobre Edição  
Genética, em Hong Kong. Conseguiram retirar um gene de um embrião  
humano, daí resultando um bebê geneticamente modificado imune ao HIV.

Entretanto, essa possibilidade da engenharia genética cria também o  
risco de produzir modificações no genoma humano passíveis de ser  
transmitidas às gerações futuras. Estaríamos, então, capacitados a  
modificar a nossa espécie. Com esse poder será difícil coibir  
iniciativas para aumentar o nosso QI, melhorar o nosso desempenho  
físico, etc. Voltaríamos, então, agora com muito mais eficiência, ao  
antigo pesadelo de tentar desenvolver uma raça superior.

É indispensável, portanto, que tomemos ciência de todos esses fatos e,  
refletindo sobre eles, reprogramemos nossa vida longeva,  
principalmente, dando mais atenção à formação dos jovens. Se apenas  
compreendermos a importância dessa problemática, já teremos dado um  
passo para sua solução.





-- 
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo





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