[ABE-L] Minha derradeira reflexão de 2018

Marcelo Bourguignon marcelim_18 em hotmail.com
Dom Dez 30 20:59:55 -03 2018


Prezado professor Carlinhos,

agradeço imensamente pelos emails e discussões feitas pelo senhor
na lista da ABE. Em nenhum momento, eu, enxerguei como "choramingadas".

Se o sistema tem falhas, temos que identificar as mesmas e tentar
encontrar uma maneira para melhorar, e eu acredito que calado ou simplesmente aceitando o
sistema, seja a maneira de se fazer isso. Obrigado pela preocupação.

Feliz 2019 para o senhor!

Saudações,

Marcelo
________________________________
De: abe <abe-bounces em lists.ime.usp.br> em nome de Carlos Alberto de Bragança Pereira <cpereira em ime.usp.br>
Enviado: sábado, 29 de dezembro de 2018 23:04
Para: abe-l em ime.usp.br; g-mae em ime.usp.br; g-mac em ime.usp.br; g-map em ime.usp.br; g-mat em ime.usp.br
Assunto: [ABE-L] Minha derradeira reflexão de 2018


Meus caros colegas e amigos

Para não dar uma ideia negativa de meus sentimentos com respeito à
avaliação (referente à bolsa de produtividade e pesquisa) que tive no
último ano, gostaria de me explicar. O fato de ter sido diminuído na
minha classificação, de 1B para 1C, no CNPq, não prejudicou em nada a
bolsa que recebo. Meus amigos, principalmente meu irmão, me disseram
que eu não deveria escrever “choramingando”. Entendi então que minha
intenção não ficou clara e assim tento aqui me explicar.

O meu (nosso) objetivo principal com minhas choramingadas é pressionar
pessoas responsáveis.  Regras claras, para decisões sobre concessões
de auxilio financeiro para projetos científicos e/ou concessão de
bolsa de pesquisador, precisam ser estabelecidas. Se bolsas são
concedidas ou não por comparação de projetos e currículos, precisamos
saber as razões de deferimento ou indeferimento dos pedidos.  Um
pesquisador, que teve seu projeto indeferido, precisa saber o que
levou outros a serem deferidos.  Critérios objetivos facilitam
bastante o entendimento e certamente diminuem as frequências das
indignações.

Antes de iniciar minha reflexão gostaria de dizer que 1B é o último
patamar antes de ir para 1A. Não fosse pela atual representação,
penso, eu já poderia ser 1A. Minha imaginação ainda produz dúvidas
sobre a forma como são estabelecidos os QUALIS de nossas revistas.
Qual a razão das revistas de probabilidades terem QUALIS superiores
aos da estatística? Desculpem minhas dúvidas, mas sem a clareza das
regras deixa-se muito para imaginação negativa.  Em qualquer sociedade
científica as revistas PlosOne e IEEE teriam QUALIS bem melhores do
que temos hoje. Claro, eu tenho ali alguns artigos com meus ex-alunos.

Desde 1981, como pesquisador do CNPq, me sinto um privilegiado. Nunca
deixei de ser apoiado pelas instituições brasileiras, FAPESP, CNPq e
CAPES e sempre fui galgando as diversas etapas de classificação:
Fechei meus olhos (ou meus sentimentos) para aqueles jovens
pesquisadores que porventura foram “injustiçados” ao não receberem
apoio para seus projetos. Agora, quando fui rebaixado no meu nível,
percebi que uma injustiça pode afetar o nosso EGO, mesmo quando o
nosso bolso não é afetado. Este é o principal ponto de minha mensagem.
Minhas “reclamações” não são para garantir o meu projeto, a minha
bolsa, as minhas conquistas, mas sim me preocupa o que estão fazendo
com a área! Se os jovens não tiverem incentivos, eles desistirão! O
sentimento de injustiça para aqueles que estão em início de carreira
pode levar ao fim de uma história que nem bem começou.

Sabendo que não preciso reclamar da vida, percebi que os jovens
injustiçados não sabem que podem e devem reclamar publicamente: os
recursos de nossas agências são públicos e por isso precisam ser bem
administrados.  Escrevi a minha primeira mensagem (no primeiro
semestre) e como consequência muitos jovens escreveram contando as
injustiças sofridas. Recebi permissão para publicar uma dessas
mensagens, como viram. Só para que percebam as práticas possíveis, vou
contar outro caso recente. Como sabem, estou visitando uma
universidade federal onde um jovem colega escreveu um ótimo projeto de
pesquisa para receber apoio financeiro (chamada universal do CNPq).
Não foi um pedido grande e por sinal achei menor do que o projeto
merecia. O projeto foi elogiado pelos avaliadores e muito bem
recebido. No entanto, um dos avaliadores achou estranho não haver um
pesquisador estrangeiro e por esta “razão” o pedido foi indeferido.
Por tais injustiças é que eu reclamo! Como um velho privilegiado,
estou em final de caminho e as consequências de meus escritos não
poderão realmente me atingir de forma drástica. Prefiro pensar que as
consequências de meus choros na rede sejam positivas, pelo menos para
aqueles merecedores injustiçados.  Com respeito à minha produtividade,
gostaria de enfatizar que minha escolha pela multidisciplinaridade foi
feita desde o meu mestrado em 1971.  Sigo recomendações de cientistas
que sempre admirei: Oswaldo Frota Pessoa, Luiz Edmundo Magalhães e
Ricardo Brentani. Minha admiração por Jay Kadane reforçou ainda mais
minha convicção de que foi BOA minha opção adicional pela
multidisciplinaridade.

Outro exemplo de parecer “estranho” ocorreu com um jovem competente em
projeto relacionado a um de meus trabalhos. No parecer ao projeto,
nosso FBST foi classificado como método ultrapassado e assim foi
indeferido o pedido, apenas por usar o eficiente FBST.  Sem contar os
trabalhos recentes, o primeiro artigo definindo o FBST possuía em
setembro 56 citações no SCOPOS e 208 no Google acadêmico. O artigo de
2008 recebeu 32 no SCOPOS, 26 no Web of Science (dados de 07/2017) e
106 no Google de hoje. (As citações do Web of Science e da ESCOPOS
foram retirados dos Lattes de matemática.) Se forem olhar quais
revistas citaram o FBST, irão encontrar JASA e TAS. Imaginem aqueles
que utilizam o velho teste de Fisher (ou as suas ideias) em seus
projetos, seriam estes da pré-história? Felizmente, o pedido de
revisão foi aceito e o projeto contemplado:  Me pareceu que o
avaliador sofre com o sucesso das INVENÇÕES de Outrem – A new
scientific truth does not triumph by convince the opponents and making
them see the light, but rather because its opponents eventually die,
and a new generation grows up that is familiar with it (Max Planck) -.

Aproveitei minha visita a São Paulo para assistir filmes e entrevistas
como as do David Letterman. Em duas ocasiões pessoas afirmaram, em uma
música e em um argumento, que não se pode avaliar o conteúdo de um
livro por sua capa. Concluí então que não se pode (ou não se deve)
avaliar a qualidade de um artigo pelo QUALIS da revista. Alguns de
nossos avaliadores não falam do conteúdo do artigo, mas sim da revista
em que o artigo foi publicado. Repito mais uma vez: Um equívoco de
Einstein não passa a ser correto pelo fato de ele ter escrito. Um
artigo ruim no JASA não fica bom por ele ter sido ali publicado e um
bom artigo não se torna ruim ao ser publicado em uma revista de QUALIS
menor ou com impacto baixo.

Minhas reflexões, reclamações, discussões, são muito mais pensando na
área, Estatística, do que no fato da minha bolsa de produtividade ser
B, C ou A. Novamente, peço desculpas se em minhas mensagens anteriores
a ideia principal não foi clara. Trabalhei desde 1969 na USP e ainda
tenho mais alguns anos de divertimento científico, mas me preocupa o
caminho que tem sido percorrido pela nossa comunidade. Tenho me
obrigado à reclamar! Uso exemplos, pois, não tendo mais o que perder,
eu penso ter o direito de transmitir o que escuto informalmente.

Meu trabalho acadêmico sempre foi com grupos de pessoas que nos
complementamos nas decisões e nas escritas. Se eu tive algum sucesso
em minha caminhada acadêmica devo isto aos meus alunos, colegas
coautores ou incentivadores. Devo a Estatística muito do que sou hoje
como “membro de bastidores de trabalhos científicos”.  Penso que
preciso retribuir ao ganho acadêmico pelo trabalho estatístico.  Penso
que a palavra chave da ciência é o conflito, no trabalho científico
não deve haver hierarquia de conhecimento.  FORA COM A TEORIA DA
AUTORIDADE!  Certo é certo e errado é errado: não há revista que salve
o errado nem que mate o correto.

Em resumo, melhorar o processo deve ser ato contínuo. As regras devem
ser claras para que todos os envolvidos saibam o que deve ser feito e
poderem projetar sua carreira visando o sucesso científico. Para mim,
as seguintes atitudes são necessárias para o sucesso de uma comunidade
científica: DEBATER, CONFLITAR e, principalmente, CRIAR.

Feliz 2019 para os colegas e que obtenham todo o sucesso científico
que merecerem.

--
Carlos Alberto de Bragança Pereira
http://www.ime.usp.br/~cpereira
http://scholar.google.com.br/citations?user=PXX2AygAAAAJ&hl=pt-BR
Stat Department - Professor & Head
University of São Paulo


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