[ABE-L] Usos e abusos dos números

Maria Eulalia Vares eulalia em im.ufrj.br
Qua Dez 27 08:34:00 -03 2017


Parabéns a Hedibert e Tatiana pelo artigo! Agradeço também a Denise pelos dados. 
Eles estavam aí disponíveis, mas a gente nem sempre sabe one buscar e às vezes fica 
tendo que argumentar sem a clareza que estes dados conferem. 

Feliz 2018 para todos.

Eulalia

---------- Original Message -----------
From: Denise Britz do Nascimento Silva <denisebritz em gmail.com> 
To: Alexandre Patriota <patriota.alexandre em gmail.com> 
Cc: abe-Lista <abe-l em ime.usp.br> 
Sent: Fri, 22 Dec 2017 16:23:29 -0200 
Subject: Re: [ABE-L] Usos e abusos dos números

> Alexandre  e Hedibert
> 
> é verdade que podemos diminuir a desigualdade sem reduzir a pobreza, ou podemos manter a desigualdade mesmo ficando todos em pior situação econômica.
>   
> Para contribuir no debate, peço que vejam o gráfico 4.8 da publicação Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2016 - que compara o acesso dos estudantes mais pobres ao ensino público superior ( que reproduzo abaixo).
> 
> https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
> 
> O gráfico indica que, ao considerar a distribuição do rendimento domiciliar per capita de estudantes da rede pública de ensino superior,   a parcela proveniente das famílias mais pobres aumentou ao longo de 10 anos, fornecendo evidência de que a população de estudantes do ensino público superior  é composta proporcionalmente de mais jovens de famílias com menos recursos financeiros (que estão conseguindo alcançar o ensino superior público) . 
> 
> Ao mesmo tempo, o gráfico 6.3 indica uma leve tendência da renda domiciliar per capita mediana (todos os valores corrigidos pela inflação para base 2015). Deve-se também reconhecer a queda de 2014 para 2015. Adicionalmente,  o gráfico 6.4 indica que a parcela da população com rendimento domiciliar per capita mais baixo diminui, se deslocando para estratos de rendimento superiores adjacentes (mas também houve leve queda nos estrato superior). 
> 
> Acredito que, unindo as evidências, ainda  é possível concluir que, de 2005 a 2015, as famílias brasileiras não ficaram mais pobres, houve aumento real de rendimento. Acho então que as famílias dos estudantes não ficaram mais pobres, entretanto mais estudantes de famílias pobres alcançaram o ensino superior, indicando  mudança de composição da população de estudantes do ensino superior público.
> 
> Lembro que os dados referem-se à década 2005-2015.
> 
> Abraços e seguem os gráficos.
> Denise
>  
> 
> Em 22 de dezembro de 2017 14:05, Alexandre Galvão Patriota <patriota.alexandre em gmail.com> escreveu:
> 
> 
> Parabéns ao Hedibert e a Tatiana pelo artigo.
> 
> Sobre o último parágrafo:
> 
> ``Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, játemos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%,ao passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumentosalarial dos formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.´´
> 
> Corrijam-me se eu estiver errado, mas: se o percentual de estudantes com renda familiar entre [0,3] aumentou 27% e o percentual de estudantes com renda familiar entre [7,inf) diminuiu 37%, então podemos afirmar que em um certo sentido as famílias dos estudantes estão mais pobres. Não quero entrar nos detalhes filosóficos das teorias econômicas, mas me parece claro que diminuir a desigualdade financeira não é o mesmo que diminuir a pobreza.
> 
> 2017-12-22 9:22 GMT-02:00 Hedibert Lopes <hedibert em gmail.com>:
> 
> 
> Usos e abusos dos números
> Por Hedibert Lopes e Tatiana Roque
> 
> http://www.valor.com.br/opiniao/5235489/usos-e-abusos-dos-numeros
> 
> A regressividade dos gastos com ensino superior público é apontada frequentemente como justificativa para a cobrança de mensalidades. O relatório recente do Banco Mundial afirma, por exemplo, que 65% dos estudantes das universidades federais estão entre os 40% mais ricos. Quem são esses "mais ricos"?
> 
> Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015 mostram que nesse grupo de 40% "mais ricos" estão pessoas com renda per capita média de R$ 960,00. O Banco Mundial não define a partir de que renda se pode designar um grupo como o dos mais ricos, nem justifica o foco nos 40%. Poderíamos selecionar os 30% mais ricos, que ganham acima de R$ 1.200,00; ou os 20%, que ganham acima de R$ 1.700,00. A renda média desses grupos difere pouco. De fato, a distância só aumenta quando selecionamos os 10% mais ricos.
> 
> Suponhamos que fossem cobradas mensalidades dos estudantes que realmente têm condições de pagar, escalonadas de acordo com a renda. Usando os dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), verificamos que 81% dos estudantes vêm de famílias com renda bruta familiar inferior a R$ 6.500,00, logo não poderiam pagar. Na faixa de renda familiar bruta entre R$ 6.500,00 e R$ 9.300,00 estão 9% dos estudantes (de um total de aproximadamente 1 milhão, somando-se todas as universidades federais do país). Superestimando a capacidade de desembolso em 15%, essas famílias pagariam uma mensalidade de R$ 1.200,00, perfazendo R$ 1,3 bilhão no total. Já a faixa com renda familiar bruta acima de R$ 9.300,00 compreende 10% dos estudantes, mas é preciso analisar detalhadamente a distribuição de renda nessa faixa.
> 
> O estudo da desigualdade feito pela Oxfam mostra que, no topo da população, reproduz-se a aberrante desigualdade brasileira: as famílias 10% mais ricas têm rendimentos médios de R$ 18.000,00, sendo o rendimento médio das famílias 1% mais ricas de R$ 160 mil. Logo, mantendo nossa estimativa do valor da mensalidade em 15% da renda familiar, obtemos que 9% dos estudantes pagariam R$ 2.700. Já os 1% mais ricos pagariam R$ 4 mil - o valor da mensalidade nas melhores universidades privadas. Somando-se, ao fim, todas as mensalidades possíveis, chegamos a um total de R$ 4,7 bilhões, ou seja, em torno de 11% do orçamento anual das universidades federais (de R$ 41 bilhões). Devemos lembrar, contudo, que é necessário subtrair desse percentual o custo de se verificar quem pode ou não pagar (uma operação complexa), além do custo de administrar a cobrança. Na verdade, implementar medidas para melhorar a administração da universidade - o que não contradiz seu caráter público - poderia ser
  bem mais efetivo.
> 
> Resumindo, cobrar mensalidades ajudaria pouco a enxugar o orçamento público e o Banco Mundial parece ter forçado os números para nos convencer do contrário. O cerne da disputa está nas faixas intermediárias, que nem podem realmente pagar nem entram na categoria de pobres (para fazer jus a bolsas). A solução ventilada para esse grupo de renda média é o crédito, que já mostrou efeitos perversos nos EUA e na Inglaterra, levando a um grave endividamento de estudantes - comprometendo o futuro de jovens que sequer ingressaram no mercado de trabalho.
> 
> Do ponto de vista matemático, o problema é que a curva de distribuição de renda no Brasil é extremamente assimétrica (quase linear até o decil mais alto), em nada semelhante a uma curva normal.
> 
> Dito de modo menos técnico, as faixas de renda intermediárias dos brasileiros são muito similares - e excessivamente baixas. Isso torna pouco rigorosa a separação entre "mais ricos" e "mais pobres", sob o risco de distinguir quem ganha R$ 960 por mês de quem ganha R$ 800. Só um critério qualitativo pode estabelecer a partir de que renda alguém pode ser considerado "não pobre".
> 
> É positiva a tendência de analisar políticas públicas usando estatísticas. Deve-se tomar cuidado, todavia, com a dissociação entre informações quantitativas e qualitativas. A postura científica aconselha o uso de estatísticas para confirmar ou refutar perguntas em aberto. Mas as definições dos termos do problema, com impactos sociais significativos, precisam levar em conta o ideal de sociedade que se quer construir.
> 
> Se o objetivo é corrigir as desigualdades do ensino superior público, já temos uma política de sucesso: as cotas. De 2010 a 2014, o percentual de estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos aumentou 27%, ao passo que a faixa acima de 7 salários diminuiu 37%. A política de cotas ainda está em fase de implementação e seus efeitos plenos só poderão ser medidos em 2018. Tudo leva a crer que o melhor caminho é expandir e aprimorar essa política que, em virtude do comprovado aumento salarial dos formados, provoca uma efetiva e duradoura redução das desigualdades.
> 
> Hedibert Lopes é professor titular de Estatística e Econometria do Insper e foi Professor da Booth School of Business da Universidade de Chicago
> 
> Tatiana Roque é professora do Instituto de Matemática da UFRJ e foi presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ)
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